Nesta série de reportagens, o Estadão mostrou realidades distintas de dois moradores da capital: a encarregada de limpeza Vandersilva Simeão, de 54 anos, e o educador físico Pedro Senger, de 25 anos. Para ela, o trabalho fica longe de casa, a escola dos filhos não tem a qualidade desejada e o lazer é praticamente inexistente no bairro onde a família mora, na Vila Missionária, zona sul da capital. Já para ele, morador do centro, o acesso a esses serviços é mais fácil. Diferenças que podem significar mais ou menos saúde.

Na capital paulista, o endereço dos moradores revela suas chances de sucesso e também seus riscos. No caso da covid-19, viver em áreas periféricas e com pequeno número de vagas formais de trabalho significa ter dez vezes mais chance de contrair a doença, segundo estudo feito pela Rede Nossa São Paulo com base em dados oficiais da Prefeitura.

Diante dos desafios colocados ao candidato ou candidata que vencer as eleições de novembro e assumir o comando da capital paulista em janeiro de 2021, o Estadão fecha a série com depoimento de especialistas que apontam caminhos para possíveis soluções para amenizar as desigualdades na capital e melhorar a qualidade de vida de toda a população.

Marta Arretche, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole

‘Programa de renda pode evitar pobreza’

“A crença de que epidemias não respeitam fronteiras sociais e territoriais caiu por terra com a covid-19. Na ausência da vacina, o controle do contágio via isolamento horizontal não é questão de escolha. É para quem pode. A vulnerabilidade à pandemia tem endereço, inserção no mercado de trabalho e cor.

Duas medidas são imprescindíveis para reduzir as desigualdades: o fortalecimento do SUS, com redução da desigualdade na oferta de leitos e médicos, e transferência de renda.

Nossa tragédia teria sido maior sem o SUS. Mas os leitos de UTI do SUS ainda são 43% do total, ao passo que a população que prescinde do SUS é 22%. A distribuição regional de profissionais de saúde e leitos é também desigual: 10 leitos por mil habitantes na região Norte contra 16 no Sul.

A recuperação econômica será lenta. Não há razões para crer que a exposição ao vírus estará extinta em 2021. Um programa de renda que evite a pobreza e a exposição dos mais atingidos é condição necessária para impedir que o isolamento social não passe de um privilégio de poucos.”

Márcio Black, cientista político e coordenador da Fundação Tide Setúbal

Devemos eleger mais negros e indígenas

“Em meio à pandemia, anos e anos sem investimento em equipamentos de saúde, contratação e qualificação de profissionais, agravou um quadro que está longe de ser normal. Num cenário pandêmico é de se esperar que o sistema público de saúde fique saturado, mas, no nosso caso, ele praticamente inexistia e isso está produzindo dados de desigualdades sobre os quais precisaremos nos debruçar com cuidado.

Existem territórios nos quais a diferença da letalidade do vírus entre populações brancas e negras são explicáveis somente pela chave da desigualdade de acessos e recursos. A melhor forma de revertermos essa situação é por meio do foco na redução das desigualdades. Em ano de eleições municipais, isso significa que precisamos eleger mulheres e homens negros, lideranças indígenas, ampliar os espaços de diálogo entre lideranças comunitárias e o poder público, enquanto a iniciativa privada pode ajudar complementando os recursos que são necessários para melhorarmos as condições de vida de milhões de pessoas.”

Márcia Lima, professora de sociologia da USP

‘Periferia precisa de equipamento público’

“A pandemia ampliou nossa reflexão sobre o nível das desigualdades sociais e raciais que são históricas, profundas e persistentes e o território é considerado um dos seus principais marcadores sociais. São Paulo se destaca pelo seu elevado nível de segregação residencial, ou seja, pelo grau de aglomeração de um determinado grupo social/racial em uma determinada área da cidade.

As desigualdades dentro da cidade são muito marcantes e temos a questão racial como algo que define essas desigualdades, dada a expressiva concentração da população negra em áreas mais periféricas. Portanto, a melhor forma de reduzir as desigualdades é investir em equipamentos públicos de saúde e também nos serviços como a atenção primária em regiões mais pobres e periféricas reduzindo, assim, as desigualdades raciais e sociais na saúde pública.

Vale lembrar que o SUS tem o Programa Nacional de Saúde Integral da População Negra há mais de uma década. Os programas para reduzir desigualdades já foram desenhados. Eles precisam ser colocados em prática.”

Eduardo Marques, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP

‘Urbanizar favelas e priorizar o transporte’

“Os impactos provocados pela pandemia foram causados por desigualdades não associadas ao acesso a serviços de atendimento médico, embora a escassez e a baixa qualidade desses também tenham piorado o quadro. Os efeitos mais graves vieram do pior acesso dos pobres ao emprego (obrigando as pessoas a se expor), de suas condições habitacionais e sanitárias precárias e da sua dependência de transporte público de baixa qualidade (dificultando o isolamento social e os cuidados).

É claro que o acesso ao emprego depende de políticas federais, mas já vivemos políticas que expandiram o emprego e distribuíram renda. Retornar a essas políticas certamente é parte da solução. Por outro lado, já dispomos de políticas que reduzem as desigualdades.

Essa lista inclui infraestrutura e serviços nas periferias, melhorar a qualidade de políticas já presentes, urbanizar favelas, regularizar loteamentos, produzir locação social no centro, priorizar transporte público, construir corredores, além controlar usos para tornar a cidade mais compacta. Políticas como essas apenas precisam ser implementadas e priorizadas, com urgência.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.