O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mudou seu discurso e adotou um tom mais moderado que o esperado no decreto que estabeleceu o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros. Prometendo efetivar sanções severas contra o Brasil, Trump recuou em cima da hora e retirou os setores industrial e, em partes, do agronegócio da lista de taxação.
A mudança vem na esteira do histórico do próprio chefe da Casa Branca. Desde que assumiu à presidência dos EUA novamente, Trump tem usado a guerra tarifária para mandar recados e impor suas vontades aos outros países. Além do Brasil, a estratégia foi usada com União Europeia, China e mais recentemente com a Índia.
Em uma carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e em conversas com jornalistas, Trump deu sinais de que sequer queria conversar e que não cederia às pressões ou retaliações por parte do governo brasileiro. Pelo contrário. Prometeu responder com o dobro de taxação e outras sanções contra o Palácio do Planalto.
O cenário passou a mudar nos últimos dias, quando o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, e o chanceler Mauro Vieira intensificaram as negociações com a Casa Branca. As ações foram cirúrgicas, feitas em silêncio e nos bastidores. O Planalto montou uma força tarefa para que nenhuma das conversas vazassem.
Alckmin reuniu empresários de todos os setores e pediu para que eles convencessem representantes nos Estados Unidos para pressionar Trump à recuar. Dias depois, conversou pela primeira vez com o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick, no último dia 19. A dose foi repetida nesta semana, após um encontro com diretores de big techs.
Já Vieira articulou um encontro de última hora com Marco Rubio, secretário de Estado, estragando a comemoração de bolsonaristas, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que atuava nos bastidores para que o encontro não acontecesse.
“Trump sofreu pressão de setores americanos dependentes de produtos brasileiros – 42% das exportações ficaram de fora da sobretaxa, incluindo Embraer e minérios. A medida enfraquece o discurso de Eduardo Bolsonaro, que prometia restrições maiores”, afirma Paulo Ramirez, cientista político e professor da ESPM.
No decreto enfraquecido perto do que havia prometido, Donald Trump justificou apenas as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do ministro Alexandre de Moraes como justificativa para o aumento da tarifa. Ele também citou o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu no inquérito que investiga a trama golpista, afirmando que é uma “caça às bruxas”.
O tom político usado pelo presidente americano pode ser revertido contra ele mesmo, segundo especialistas. A decisão de taxar o Brasil sem uma justificativa econômica – os EUA têm superávit na balança comercial em relação ao governo brasileiro – pode gerar questionamentos tanto no Congresso norte-americano quanto na Suprema Corte. No primeiro, o decreto é mais fácil de ser validado, mas, mesmo com maioria, o chefe da Casa Branca tem perdido cada vez mais espaço no judiciário.
“A medida de Trump contra o Brasil difere de outras tarifas: aqui, os EUA têm superávit comercial, o que expõe o caráter político da sanção. A base legal frágil – sem déficit econômico que justifique – pode ser contestada no Congresso ou na Suprema Corte americana”, ressalta Ramirez.
O decreto, mesmo que branda, ainda impacta significativamente a economia brasileira. Cerca de 57% das exportações do país devem sofrer a taxação máxima, provocando um descompasso ainda maior na balança comercial. Entretanto, o decreto de Trump abre brechas para que os setores negociem individualmente com o governo americano sem dar sinais de recuo da Casa Branca. A estratégia é uma tentativa do americano de evitar apresentar uma imagem enfraquecida. Sem sucesso.
Decreto de Trump e seu efeito reverso
Desde março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, já articulava junto a congressistas americanos medidas para atingir Moraes. Ele conversava com aliados de Trump para tentar chegar ao chefe da Casa Branca os pedidos da família Bolsonaro.
Eduardo, Bolsonaro e a cúpula ligada ao ex-presidente esperavam que Trump mantivesse o discurso forte pelo tarifaço. A expectativa era que a medida aumentasse a pressão sobre o STF para afrouxar o processo contra seu pai. Não funcionou. Em nota, a Suprema Corte reforçou a investigação, afirmou que o processo é legítimo, ressaltou as provas e deu solidariedade a Alexandre de Moraes, alvo de sanções via Lei Magnitsky decretada também na quarta-feira.
Os bolsonaristas apostavam, então, no avanço do PL da Anistia na Câmara dos Deputados. Além do ex-presidente da República, os condenados pelos ataques de 8 de janeiro em Brasília também seriam beneficiados. Mas, nos bastidores, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), já afirmou ter engavetado o projeto e que não há chances de ser pautado durante seu mandato.
Para Paulo Ramirez, o afrouxamento do decreto enfraqueceu o discurso bolsonarista e pode atingir a imagem de Trump. O professor avalia haver chances da retomada das discussões de um possível pedido de impeachment do republicano.
“Ao mirar Moraes, que age contra os golpistas, Trump revela seu próprio autoritarismo. O episódio enfraquece tanto Bolsonarismo quanto Trump, podendo até reacender debates sobre impeachment do presidente americano”, ressalta.
Enquanto o bolsonarismo sai enfraquecido do episódio, Lula tenta aproveitar o decreto para retomar a sua popularidade. Em crise nos últimos meses, o petista tinha conseguido alavancar sua imagem após o tarifaço e pode surfar na onda do recuo de Trump.
As estratégias silenciosas nas negociações e as sinalizações de disposição para negociar tendem a ser usadas pela comunicação de Lula para atrelar a imagem dele à soberania nacional. De quebra, a cúpula petista deve manter o discurso de culpa de Bolsonaro para tentar minar a imagem do ex-presidente entre os empresários do setor produtivo.
“As sanções focaram principalmente o ministro Alexandre de Moraes, sem atingir diretamente o governo Lula, preservando a imagem de respeito à independência dos Poderes”, afirma Ramirez.