Acostumada a receber visitantes em busca de prazer e diversão, Amsterdã estuda limitar o consumo de maconha no Distrito da Luz Vermelha, lugar de suas famosas casas de prostituição. Encabeçadas pelo conselho municipal, as propostas partem do anseio dos moradores pelo sossego de antigamente. Nos últimos anos, houve um expressivo deslocamento por parte deles, do centro turístico para as periferias. As novas medidas pretendem alterar o horário dos coffee shops, locais de venda e consumo de maconha e haxixe (resina da maconha), e brecar a utilização das drogas leves nas ruas. Elas vêm na retaguarda de imposições anteriores, que já controlam a comercialização e o consumo de álcool a céu aberto, a presença de ambulantes na região e o funcionamento de trecho do bairro na alta temporada.

Desde a década de 1970, o comércio de maconha é permitido na Holanda, e as lojas especializadas foram fundamentais para esse avanço. “Esse turismo é lucrativo e foi extremamente disciplinado com a abertura dos coffee shops. Antes, havia tráfico nas ruas, envolvendo risco de violência e outros problemas”, diz Henrique Carneiro, professor de História da USP e coordenador do Laboratório de Estudos Históricos das Drogas e da Alimentação, o LEHDA.

“Desde os primórdios da história da humanidade, tanto as drogas quanto a prostituição foram largamente utilizadas”, lembra Douglas Galiazzo, professor do curso de Direito da Estácio. Para o especialista, as restrições em torno de seus usos giram em torno de uma palavra: controle. Do corpo, no caso da prostituição e da mente, com relação à maconha: “Seria proibir e limitar as pessoas segundo a moral cristã, nitidamente controladora e proibicionista”. Para Carneiro, a Holanda mantém uma tolerância hipócrita, já que mesmo a maconha não é legalizada no país: “Não existe o direito ao cultivo, a uma autoprodução”. Hoje, a lei permite que cada habitante cultive no máximo cinco plantas, o que torna os comerciantes dependentes de importação da erva, inclusive do crime organizado.

Se o comércio local de drogas leves se volta contra os próprios moradores, a possibilidade do consumo em outros países também ameaça o atrativo holandês. “Coloca em cheque o que foi útil durante algumas décadas, mas que agora está, de certa forma, superado pelo próprio modelo estadunidense e canadense”, diz Carneiro. A onda que reverbera dos Países Baixos ganha ecos dentro da Europa, e a Alemanha pode ser o primeiro país do continente a autorizar seu uso recreativo. As determinações holandesas, anunciadas para maio, esbarram mais na política urbana, na opinião do historiador: “Há uma espécie de insatisfação dos moradores com um turismo predatório, que acaba tendo consequências até de saúde pública.”

SEM PARAR Movimentação intensa de turistas atravessa as noites nas ruas do Distrito da Luz Vermelha (Crédito:Divulgação)

Na pele

“Ouvi comentários de moradores que falaram, ‘essa é a Red Light que eu conheço’, principalmente os mais velhinhos”, diz o músico Paulinho Paes, sobre o cenário que se tornou desértico no auge da pandemia. Morador de Roterdã, o brasileiro visita muito a capital para fazer shows, mas só teve a dimensão do movimento caótico quando tentou cruzar o distrito num sábado à noite de verão, com mochila e violão a tiracolo: “Naquele dia eu vi que é realmente desagradável aquele monte de turista”.

Há anos, projetos de lei tentam dissipar os viajantes até outras cidades holandesas. A industrial Roterdã, por exemplo, conta com os tais cafés, ainda que em menor número e menos badalados. Criada em 2022, a campanha “Fique Longe” pretende limpar o “turismo de sexo e drogas” de Amsterdã do imaginário internacional. “Os moradores não gostam dessa associação entre Holanda e maconha, porque, na verdade, quem mais fuma são os turistas”, afirma Paes. No último ano, 18 milhões de visitantes passaram por lá e a expectativa é que esse número chegue aos 30 milhões em 2025. “Eu não sei se eles vão ter sucesso, porque envolve tradições muito antigas da região”, opina Carneiro, sobre as mudanças em discussão. Enquanto o bairro não se transforma efetivamente, as luzes vermelhas e os cigarros seguem na capital holandesa.

Sinal fechado

Jan Kees Helms

As vitrines ocupadas pelas profissionais do sexo, que trabalham legalmente no país europeu desde 2000, correm o risco de apagar mais cedo e, em um cenário mais dramático, de serem remanejadas. A possibilidade de transferi-las para outra localidade é cogitada pelo poder público, e pode ser a luz no fim do túnel dos saudosos de dias mais tranquilos no Red Light District.