Quando Jane Austen morreu, em 1817, aos 41 anos, uma ovelha negra foi encontrada entre as suas heroínas românticas. O manuscrito de Lady Susan, sobre uma viúva ardilosa à caça de marido rico para si mesma e para a filha, tinha sido engavetado pela escritora inglesa. Quem insistiu na publicação póstuma (mais de 50 anos após a sua morte), foi o seu sobrinho, James Edward Austen-Leigh.

Ainda hoje especialistas na obra de Austen debatem se a autora teria escrito o romance com a intenção de publicá-lo e até mesmo se ela não teria deixado a obra inacabada. Não saber a verdadeira história por trás de Lady Susan não impede a plateia de apreciar a sagacidade da obra, em sua primeira adaptação para o cinema. Batizada de Amor & Amizade e estrelada por Kate Beckinsale, a produção concebida como comédia chega aos cinemas nesta quinta, com direção de Whit Stillman.

“Talvez Jane Austen tenha pensado que celebrar na literatura uma mente tão manipuladora não fosse algo apropriado”, diz Beckinsale, lembrando que a autora provavelmente escreveu Lady Susan na faixa dos 20 anos. Também foi nessa época que a britânica deu o primeiro tratamento aos clássicos Razão e Sensibilidade (1811) e Orgulho e Preconceito (1813). Estes, sim, ela publicou muito tempo depois – construindo a partir deles a sua reputação de criar mulheres fortes e admiráveis, embora imperfeitas.

O contraste de Lady Susan, que não sabe o que é virtude, pode causar estranheza no público à espera do universo Austen mais tradicional. Mas isso não é obstáculo para Beckinsale, muito elogiada desde a première mundial do filme, no Festival de Sundance, por reproduzir tão habilmente a astúcia sedutora da personagem. Não há como resistir aos encantos de Lady Susan, mesmo que a viúva use a sua inteligência e o seu poder de persuasão apenas para tirar vantagem dos outros.

Segundas intenções

Por ser ainda muito bonita, ela joga seu charme para conseguir o que quer – de um jeito ou de outro. “O que conta a seu favor é o fato de a personagem ser deliciosamente honesta sobre a sua canalhice. O espectador sabe exatamente o que ela pensa, sobretudo nas conversas com sua melhor amiga, Alicia (Chloe Sevigny), sem que ela se desculpe por isso”, conta a atriz.

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Desde que caiu em desgraça financeira, com a morte do marido, Lady Susan flerta com qualquer homem endinheirado. Até mesmo o marido de uma amiga, que generosamente tinha recebido a viúva em sua casa. Ao ser escorraçada, ela não vê outra saída a não ser empurrar a filha, Frederica (Morfydd Clark), para os braços de um milionário por quem a menina só sente pena. Enquanto Lady Susan busca destruir outros casamentos, em busca de quem a sustente, ela ainda se diverte com o irmão jovem de sua cunhada.

“Temos aqui todos os temas recorrentes na obra de Austen: hipocrisia, adultério, casamento arranjado e outros. A diferença é que a protagonista é uma criatura calculista desprovida de qualquer qualidade redentora”, afirma Stillman, explicando o que mais o atraiu na adaptação da obra. “Para instigar ainda mais a nossa curiosidade, sobre as reais intenções de Austen com a personagem, Lady Susan sequer é punida por seus deslizes. Já a adúltera de Mansfield Park (1814) não teve a mesma sorte.”

Esta não é a primeira vez em que o diretor recorre ao legado de Austen. Seu primeiro filme, Metropolitan (1990), emprestou elementos de Mansfield Park – principalmente na criação da protagonista Audrey Rouget, uma heroína discreta aos moldes de Fanny Price, do livro. No que diz respeito ao amor, as duas também têm um destino parecido.

“Embora eu não seja um leitor fervoroso de Austen, o que poucos homens admitiriam ser, sempre me interessei pela forma como ela questiona a figura da mulher na sociedade, em uma época onde o seu papel era restrito ao matrimônio.” Na visão de Stillman, talvez Lady Susan tenha sido inventada como uma “aberração”, como um produto daquele ambiente opressor. “Já que a mulher só podia almejar um casamento na vida, a viúva pelo menos queria tirar proveito disso. Sua audácia, por ser quem era, talvez a coloque no patamar de heroína. Nem que seja de uma comédia.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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