No romance futurista Ela (2013), o diretor Spike Jonze (Adaptação, I’m Here) constrói uma narrativa que destaca a solidão humana. Não é um filme sobre amor convencional, mas uma odisséia moderna sobre a complexidade da relação humana com a tecnologia.

Na trama, Theodore Twombly (interpretado por Joaquin Phoenix) mergulha em um mundo onde a IA (inteligência artificial) não é apenas uma ferramenta, mas uma companheira emocional. A linha entre a realidade e a programação se desvanece quando Theodore se apaixona pela voz e personalidade da IA Samantha (interpretada por Scarlett Johansson).

A paranoia contemporânea da desconexão se entrelaça com o medo de intimidade, e é nesse terreno movediço que a IA se insinua, oferecendo conforto em algoritmos. Através da lente de Jonze, a IA é tanto um bálsamo quanto um veneno — revelando a ambivalência da nossa relação com o progresso tecnológico.

Num mundo onde as máquinas se tornam confidentes, o eco das palavras de Jean-Paul Sartre ressoa: “Se você se sente solitário quando está sozinho, você está em má companhia.” Em meio a esse enigma tecnológico, a obra provoca uma dança desconcertante entre a realidade e a ficção, uma coreografia de emoções e desejos, nos fazendo questionar se a verdadeira solidão reside na presença ou na ausência da tecnologia.

Em 2024, a presença da IA se torna ubíqua, permeando cada aspecto da vida cotidiana — e levantando questões cruciais. A capacidade das IAs de replicar a experiência humana levanta o espectro da substituição, alimentando o temor de que, em breve, as máquinas possam superar seus criadores — tanto no âmbito pessoal, como profissional.

Devemos lembrar que as criações refletem os vieses humanos, desencadeando um ciclo preocupante de discriminação algorítmica. Nesse teatro de sombras digitais, a ausência de regulamentação torna-se uma lacuna perigosa. Plataformas digitais exibem imagens geradas por IA sem nenhum aviso de que se trata de uma, e enganando milhares de pessoas. O chamado à ação é claro: uma regulamentação rígida é essencial para proteger a integridade da realidade em uma era dominada por algoritmos – nesse momento é bom reaquecer o debate sobre a PL2630.

O crescimento da divulgação de fake news – na era do “vale tudo por um click” – auxiliadas por imagens criadas por IA lançam ameaças sobre a sociedade e o cenário político. A influência distorcida dessas criações digitais nas eleições ecoa os receios de que as mídias digitais – sem regulamentação – possam desequilibrar o frágil sistema democrático.

Ela nos convida a mergulhar nas águas turvas da contemporaneidade, onde as conexões virtuais se tornam tão complexas quanto as linhas de código que as sustentam.