O que era apenas um receio se confirmou como ameaça real. A operação Hashtag da Polícia Federal deteve, na manhã da quinta-feira 21, dez suspeitos de preparar ataques terroristas durante os Jogos Rio-2016. Segundo o Ministério da Justiça, os acusados teriam jurado lealdade ao Estado Islâmico e planejado a compra de armas com a intenção de deflagrar um massacre na Olimpíada, que começa em 5 de agosto. Além das dez presos, foram feitas duas conduções coercitivas (quando a pessoa é forçada a depor) e 19 buscas e apreensões.

Até o fechamento desta edição, dois deles continuavam foragidos. “As prisões demonstram que essa ameaça não pode ser negligenciada”, afirma Marcos Degaut, professor de política do terrorismo internacional na Universidade da Flórida Central. “É preciso conscientizar a população de que o risco é real.” Os suspeitos formavam uma rede de abrangência nacional. Todos homens, de 20 a 40 anos, foram detidos nos estados do Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.

DETIDO Vitor Magalhães, 23 anos. De acordo com a família, ele é inocente e apenas dá aulas de árabe na rede
DETIDO Vitor Magalhães, 23 anos. De acordo com a família, ele é inocente e apenas dá aulas de árabe na rede

Dois já haviam sido condenados por homicídio. Falando à imprensa em Brasília, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que o cabeça seria Levi Ribeiro Fernandes de Jesus, 21 anos, que trabalha numa rede de supermercados na região metropolitana de Curitiba e não possui passagem pela polícia. Para o juiz federal que expediu os mandados, apesar da proeminência de alguns membros, não havia uma liderança formal.

Alguns dos suspeitos comprovadamente espalhavam mensagens de ódio na rede, conforme apurado pela reportagem. Familiares de outros acusados alegam que eles foram levados injustamente. Os pais e a mulher de um dos presos em São Paulo, o funileiro Vitor Magalhães, 23 anos, afirmaram que ele não é terrorista e que, nas mensagens de celular, apenas dá aulas de árabe. De acordo com a família, o jovem é muçulmano desde 2010, fez um intercâmbio de seis meses no Egito e hoje faz vídeos no YouTube ensinando o idioma.

Juramento ao Estado Islâmico

De acordo com o ministério da Justiça, a operação foi deflagrada assim que os indivíduos passaram da apologia ao terrorismo à preparação de ataques. O monitoramento havia começado em março. Recentemente, o grupo teria usado as redes sociais para comemorar os ataques de Orlando (EUA) e Nice (França). As prisões foram determinadas depois que eles passaram a se articular para obter armamentos no Paraguai. Um dos suspeitos entrou em contato com uma empresa para comprar um rifle AK-47, o que não foi concretizado.

vigilância O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ao anunciar a prisão dos suspeitos
VIGILÂNCIA O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ao anunciar a prisão dos suspeitos

Ainda segundo o ministro Alexandre de Moraes, os suspeitos se comunicavam por meio de aplicativos como Whatsapp e Telegram, e alguns deles chegaram a fazer juramento ao Estado Islâmico. O suposto batismo era virtual. “Aparece uma gravação e a pessoa repete”, disse o ministro. “Não houve interação. Eles não saíram do País para nenhum contato pessoal.” As declarações levantam dúvidas sobre o monitoramento, já que os dois aplicativos usam códigos que não pode ser desvendados pelas forças de segurança brasileiras.

Recentemente, a Justiça bloqueou o Whatsapp repetidas vezes justamente por requisitar, sem sucesso, informações relacionadas a casos criminais. “Se a criptografia foi quebrada, isso foi feito por agências colaborando no exterior”, afirma Ricardo Chilelli, presidente da empresa de consultoria de segurança e inteligência RCI First. A forma como os suspeitos operavam demonstra que eles formavam um bando amador, desorganizado e apenas marginalmente ligado ao Estado Islâmico.

Treinamento: Forças Armadas em exercício nas areias do Rio de Janeiro: efetivo terá 22 mil homens
TREINAMENTO Forças Armadas em exercício nas areias do Rio de Janeiro: efetivo terá 22 mil homens (Crédito:Gabriel de Paiva/ Agência O Globo)

Em visita ao Rio, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, se referiu à articulação do grupo como um “ato isolado” e chegou a afirmar que a ação foi uma “porra-louquice”. Especialistas ouvidos pela reportagem de ISTOÉ concordam com a avaliação do governoa. O consultor de segurança Chilelli considera que a dificuldade dos suspeitos em conseguir armas mostra que eles não tinham acesso ao submundo do crime. “No Brasil você consegue um AK-47 pelo telefone”, diz. “Mas não dá para falar que, por isso, eles não eram perigosos.

Você não precisa de um rifle para cometer um massacre. Basta olhar para Nice, onde foi usado somente um caminhão.” De acordo com Degaut, autoridades erraram ao negligenciar a ameaça. “A existência desse grupo é indicativo de que coisas maiores podem estar por vir.” De acordo com a Polícia Federal, pelo menos 100 pessoas estão sob monitoramento. Na sexta-feira 22, o governo divulgou a implantação de novos sistemas de vigilância do espaço aéreo durante os Jogos, cuja segurança contará com um efetivo de 22 mil homens das Forças Armadas, além das polícias Federal, Militar e Força Nacional.

Embora o Brasil não seja alvo, o simbolismo do evento e as dezenas de delegações internacionais de países ligados a conflitos no Oriente Médio aumentam o risco de atentados. “O Brasil é um playground para extremistas. Nossas leis são uma piada, nossas fronteiras são problemáticas, temos corrupção endêmica e um supermercado do crime. Ainda por cima, é fácil se esconder aqui dentro porque o País é enorme e multirracial”, afirma Ricardo Chilelli. Longe de provar o contrário, as prisões da quinta-feira trazem ao menos o alívio de que as forças de segurança estão em alerta.

Colaborou: Ludmilla Amaral

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Não há Olimpíada sem problemas

Para ser um sucesso, a Rio-2016 deverá superar ameaças de terrorismo, crise econômica mundial e risco de epidemias. Outras cidades-sede também enfrentaram obstáculos – e nem todas se saíram bem

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Descontentamento popular, atrasos em obras, manifestações, ameaças de greve. Esses são entraves comuns à realização de qualquer Olimpíada, seja ela num país rico ou em desenvolvimento. Aconteceu em Londres, na Inglaterra, em 2012. Inspiradas pelo movimento Ocupe Wall Street, de Nova York, que se espalhava por diversos países, dezenas de pessoas acamparam em frente ao parque Leyton Marsh para bloquear a construção de uma instalação olímpica temporária no local. Em outro ponto da cidade, centenas de britânicos protestaram contra o que chamavam de “Olimpíada corporativa” e a distribuição de ingressos gratuitos para os patrocinadores.

“Olimpíada é um grande investimento de tempo, dinheiro e orgulho nacional, mas todo país extrapola o orçamento e entrega as obras em cima da hora”, disse à ISTOÉ o jornalista britânico Martin Belam, autor do livro “Keep the Torch Burning: Terror, Protest and the Games” (“Mantenha a chama acesa: terror, protesto e os Jogos”). Vários países enfrentaram dificuldades. Em 1976, quando organizaram os Jogos de Montreal, os canadenses se depararam com uma dívida enorme impulsionada por erros de cálculo no orçamento, uma escalada inflacionária e denúncias de corrupção.

O pagamento acabou sendo dividido, a contragosto, entre a população da província de Quebec e o principal estádio olímpico, apelidado de “A Grande Dívida”, só foi quitado em 2006, 30 anos depois – e Montreal se tornou um exemplo do que não fazer. A Grécia cometeu uma série de erros na organização dos Jogos de Atenas. As falhas de planejamento e o aumento dos gastos públicos vistos foram o prenúncio da dívida do Estado grego. Hoje em dia, as principais instalações gregas estão abandonadas e em mau estado. Em Atlanta-1996, um atentado no Parque Olímpico matou duas pessoas. Os problemas que o Rio vem enfrentando não são novidade. O desafio agora é evitar que eles se tornem insolúveis.