Há pouco mais de um mês, centenas de caminhoneiros chegaram a Brasília com a promessa de tomar o Supremo Tribunal Federal (STF) em apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Hoje, muitos deles não podem nem ouvir o seu nome. Diante de um aumento de 24% no preço do litro do diesel em 2021, a categoria se prepara para uma greve nacional dentro de duas semanas, no dia 1º de novembro (segunda-feira). O movimento já começou para alguns segmentos, como os tanqueiros (profissionais que transportam combustíveis), paralisados desde a manhã da quinta-feira 21. Eles também interromperam os fluxos em bases de abastecimento de veículos em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Para novembro, as expectativas são de que a greve se prolongue por dias — repetindo a de maio de 2018, cujo impacto foi sentido até no resultado do PIB daquele ano. E, embora a demanda principal seja pela redução imediata do custo do diesel, reajustado para cima nove vezes só esse ano, há outros motivos para os caminhoneiros estarem insatisfeitos com o presidente. “Naquela paralisação de três anos atrás, Bolsonaro fez muitas promessas de que tudo seria diferente”, critica Wanderlei Alves, o “Dedeco”, um dos líderes do movimento desde aquela época. “Eu sabia que, quando Jair Bolsonaro se tornasse presidente, não iria contrariar os interesses da Petrobras.”

“Eu sabia que, quando Jair Bolsonaro se tornasse presidente, não iria contrariar os interesses da Petrobras” Wanderlei Alves, líder dos caminhoneiros (Crédito:Divulgação)

O sentimento da greve é resumido pelo diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), Carlos Alberto Litti Dahmer, como “traição”. “A categoria acreditou no Bolsonaro, mas foi traída. Desde que ele foi eleito, só vimos retrocessos”, afirma. A revolta faz sentido: só em agosto, por exemplo, enquanto o preço do diesel aumentou 37% nas bombas em comparação a julho, o valor dos fretes subiu apenas 7%, segundo a plataforma Fretebras. Considerando o período entre maio de 2020 e o mesmo mês desse ano, o buraco é ainda maior: enquanto o combustível teve alta acumulada de 47%, os fretes aumentaram só 0,24%. O setor argumenta que a Petrobras privilegia apenas os lucros dos acionistas ao repassar as altas para o mercado interno e acusa a empresa de usar as refinarias para exportar, promovendo escassez dentro do País. Assim, o combustível fica mais caro. Para os caminhoneiros, isso significa queda na renda. “Nós estamos em uma situação pior que há três anos”, diz Wallace Landim, o “Chorão”, que preside a Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava) e lidera a organização da greve. “Naquele ano, um caminhoneiro autônomo ganhava até R$ 9 mil mensais. Hoje, se trabalhar mais termina o mês só com R$ 4 mil”, complementa “Dedeco”. Além da “paralisação econômica”, como diz Dahmer (CNTTL), ela também é política: os caminhoneiros pressionam para que o governo seja mais firme com os preços dos fretes – acusam as empresas de não praticar os valores regulados pela Política Nacional de Pisos Mínimos de Frete (PNPM). Há, ainda, uma demanda antiga pela aprovação de uma aposentadoria especial para a categoria após 25 anos de trabalho.

“Nós estamos em uma situação pior que há três anos” Wallace Landim, presidente da Abrava (Crédito:Divulgação)

O governo Bolsonaro, por sua vez, tenta em vão agradar a todos os envolvidos ao mesmo tempo. Quando recebeu a notificação da greve enviada pela Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, na quarta-feira, 20, a reação do Planalto foi minimizá-la. A aposta é que a história do 7 de setembro se repetirá: muito discurso antes e pouca mobilização no dia da greve. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, chegou a dizer na semana passada que a paralisação é orquestrada por empresários. “Como eles não fizeram nada nos últimos anos, agora só há a alternativa de tentar desarmar nossa mobilização”, diz Dahmer. Por outro lado, dar de costas para o setor pode ser um tiro no pé para o governo. Os caminhoneiros foram uma das bases de sustentação de Bolsonaro na eleição, e parte deles até mesmo endossou os discursos golpistas no feriado da Independência. A resposta será dada apenas em novembro, mas as perspectivas são tensas. “A gente deveria paralisar por 10 dias para o presidente sentir na pele”, diz “Dedeco”. “Mas não vai acontecer porque ele tem as polícias nas mãos, e elas não vão deixar os caminhoneiros pararem tanto tempo”.