22/10/2021 - 9:30
Há pouco mais de um mês, centenas de caminhoneiros chegaram a Brasília com a promessa de tomar o Supremo Tribunal Federal (STF) em apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Hoje, muitos deles não podem nem ouvir o seu nome. Diante de um aumento de 24% no preço do litro do diesel em 2021, a categoria se prepara para uma greve nacional dentro de duas semanas, no dia 1º de novembro (segunda-feira). O movimento já começou para alguns segmentos, como os tanqueiros (profissionais que transportam combustíveis), paralisados desde a manhã da quinta-feira 21. Eles também interromperam os fluxos em bases de abastecimento de veículos em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Para novembro, as expectativas são de que a greve se prolongue por dias — repetindo a de maio de 2018, cujo impacto foi sentido até no resultado do PIB daquele ano. E, embora a demanda principal seja pela redução imediata do custo do diesel, reajustado para cima nove vezes só esse ano, há outros motivos para os caminhoneiros estarem insatisfeitos com o presidente. “Naquela paralisação de três anos atrás, Bolsonaro fez muitas promessas de que tudo seria diferente”, critica Wanderlei Alves, o “Dedeco”, um dos líderes do movimento desde aquela época. “Eu sabia que, quando Jair Bolsonaro se tornasse presidente, não iria contrariar os interesses da Petrobras.”
O sentimento da greve é resumido pelo diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), Carlos Alberto Litti Dahmer, como “traição”. “A categoria acreditou no Bolsonaro, mas foi traída. Desde que ele foi eleito, só vimos retrocessos”, afirma. A revolta faz sentido: só em agosto, por exemplo, enquanto o preço do diesel aumentou 37% nas bombas em comparação a julho, o valor dos fretes subiu apenas 7%, segundo a plataforma Fretebras. Considerando o período entre maio de 2020 e o mesmo mês desse ano, o buraco é ainda maior: enquanto o combustível teve alta acumulada de 47%, os fretes aumentaram só 0,24%. O setor argumenta que a Petrobras privilegia apenas os lucros dos acionistas ao repassar as altas para o mercado interno e acusa a empresa de usar as refinarias para exportar, promovendo escassez dentro do País. Assim, o combustível fica mais caro. Para os caminhoneiros, isso significa queda na renda. “Nós estamos em uma situação pior que há três anos”, diz Wallace Landim, o “Chorão”, que preside a Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava) e lidera a organização da greve. “Naquele ano, um caminhoneiro autônomo ganhava até R$ 9 mil mensais. Hoje, se trabalhar mais termina o mês só com R$ 4 mil”, complementa “Dedeco”. Além da “paralisação econômica”, como diz Dahmer (CNTTL), ela também é política: os caminhoneiros pressionam para que o governo seja mais firme com os preços dos fretes – acusam as empresas de não praticar os valores regulados pela Política Nacional de Pisos Mínimos de Frete (PNPM). Há, ainda, uma demanda antiga pela aprovação de uma aposentadoria especial para a categoria após 25 anos de trabalho.
O governo Bolsonaro, por sua vez, tenta em vão agradar a todos os envolvidos ao mesmo tempo. Quando recebeu a notificação da greve enviada pela Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, na quarta-feira, 20, a reação do Planalto foi minimizá-la. A aposta é que a história do 7 de setembro se repetirá: muito discurso antes e pouca mobilização no dia da greve. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, chegou a dizer na semana passada que a paralisação é orquestrada por empresários. “Como eles não fizeram nada nos últimos anos, agora só há a alternativa de tentar desarmar nossa mobilização”, diz Dahmer. Por outro lado, dar de costas para o setor pode ser um tiro no pé para o governo. Os caminhoneiros foram uma das bases de sustentação de Bolsonaro na eleição, e parte deles até mesmo endossou os discursos golpistas no feriado da Independência. A resposta será dada apenas em novembro, mas as perspectivas são tensas. “A gente deveria paralisar por 10 dias para o presidente sentir na pele”, diz “Dedeco”. “Mas não vai acontecer porque ele tem as polícias nas mãos, e elas não vão deixar os caminhoneiros pararem tanto tempo”.