Um impasse registrado entre o consórcio Rodovias do Tietê, que administra estradas no interior de São Paulo, e 15 mil pessoas que aplicaram recursos em dívidas lançadas pela companhia reacende o debate sobre o risco desse tipo de investimento – e como ele vem sendo comunicado pelo mercado aos interessados.

Na opinião de executivos de bancos e agentes autônomos, o mercado tem pecado na missão de informar e preparar o investidor para as oscilações e até mesmo os riscos de calote representado pelas debêntures, nome que se dá aos títulos de dívida emitidos pelas empresas e negociados pela Bolsa de Valores, como se fossem ações.

Apesar de vendidas como renda fixa, ao lado de CDBs e do Tesouro Direto, as debêntures estão sujeitas às oscilações do mercado, podem ter o prazo de vencimento alongado no caminho e até o prêmio acertado com o investidor modificado no decorrer do tempo, motivado por alterações de mercado e no quadro financeiro da empresa.

No caso da Rodovias do Tietê, que atravessa o Estado de São Paulo por 25 cidades, a concessionária emitiu R$ 1,3 bilhão em 2013 em debêntures incentivadas, que são isentas de Imposto de Renda, para financiar a expansão prevista no edital de concessão, assinado com o governo de São Paulo em 2009. Os títulos vencem em junho de 2028, mas, com a queda da arrecadação nos pedágios de 2014 a 2018, a empresa passou a operar no vermelho e, desde 2017, vem tentando renegociar a dívida com os investidores. Na última assembleia com os debenturistas, realizada há um mês, a Rodovias do Tietê tentou mais uma vez, sem sucesso, reduzir de 8% para 1,5% ao ano a taxa de juros das debêntures, assim como prolongar o prazo de vencimento dos papéis.

O novo insucesso fez com que a XP Investimentos enviasse uma carta aos clientes detentores de títulos da concessionária na qual relata o histórico de dificuldades enfrentadas pelo consórcio e, no final, conclui dizendo que o saldo dos investidores estava de agora em diante “congelado”, o equivalente a afirmar que a promessa de lucro de 8% ao ano, mais a correção da inflação pelo IPCA, não será, ao menos por ora, utilizado para corrigir os valores que os investidores deverão receber.

Os títulos da concessionária foram distribuídos pela XP, Itaú, Santander e BTG. Hoje, cerca de 65% desses 15 mil compradores estão na XP.

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“Recebi essa carta e, sinceramente, tomei uma decisão. Vou parar de acompanhar o que acontece lá nessa empresa e dar por perdido os R$ 150 mil que investi nesses papéis há três anos”, conta o médico Gustavo Poletto, de Canoas (RS). Desde o ano passado ele tenta liquidar as debêntures no mercado secundário, mas não encontra comprador.

“Eu venderia para receber metade do que investi, uns R$ 70 mil, por exemplo. Mas ninguém quer esses papéis”, diz Poletto. “A verdade é que eu errei, mas quem me assessorou errou também. Depois disso, passei a me informar e eu mesmo cuido dos meus investimentos”, conta o médico, que hoje aplica em Tesouro Direto atrelado à inflação e, nos últimos anos, compra ações de empresas de construção, bancos e consumo na Bolsa. “Não quero mais debênture”, afirma.

Luz amarela

Para Rodrigo Franchini, responsável pela área de produtos da Monte Bravo, gestora com R$ 4,9 bilhões em recursos administrados, o episódio da Rodovias do Tietê acende uma luz amarela sobre o mercado. Para ele, o movimento atual de diversificação dos portfólios faz com que as casas como a dele sugiram ao investidor crédito de empresas. Mas alguns setores são mais arriscados que outros. “Debênture é renda fixa com risco e, talvez, tenha havido uma oferta muito grande de alguns ativos. Eu não gosto dessa área de rodovias. Está certo que em 2013 o Brasil estava em expansão, mas alguns sinais desses ativos, como o prazo de vencimento longo e a garantia no caso de um calote, sempre foram ruins”, analisa.

Para Claudio Sanches, diretor de produtos de investimento e previdência do Itaú Unibanco, o caso das Rodovias do Tietê deve ser encarado como uma lição para o mercado. “Acho que fica a mensagem de que, de fato, crédito não é CDI. Debênture apresenta risco e isso é uma coisa que temos falado com os nossos clientes. Falamos que esse ativo deve compor o portfólio de risco e nunca ser usado como caixa.”

Emissões

No primeiro semestre de 2019, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o total das emissões de debêntures foi de R$ 84,6 bilhões, contra R$ 77,5 bilhões do mesmo período de 2018, o que representa aumento de 9,3%.

Hoje, 34 concessionárias de rodovias contam com emissões ativas no mercado, o que gera um total de R$ 25,8 bilhões no setor, sendo 32% delas de debêntures incentivadas, ou seja, isentas de compra de Imposto de Renda. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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