A diretoria da Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou neste domingo uma nota tendenciosa sobre uma questão importante, a liberdade dos médicos para fazer prescrições off label de remédios, ou seja, prescrições que não constam da bula.

O mote é a cloroquina, como não poderia deixar de ser. A nota é tendenciosa porque parece denunciar a politização do uso do remédio para tratar a Covid-19, mas atira apenas contra um dos lados do debate.

Segundo a diretoria da AMB,  “o derby político em torno da hidroxicloroquina deixará um legado sombrio para a medicina brasileira, caso a autonomia do médico seja restringida, como querem os que pregam a proibição da prescrição da hidroxicloroquina”.

A autonomia do médico estaria ameaçada por um vilão: “Aqueles que pregam a proibição da hidroxicloroquina”. Em outro ponto do documento, a diretoria da AMB chega a sugerir que são pessoas que “parecem torcer pelo coronavírus”.

Existe outra situação, no entanto, que pode constranger um médico na hora de prescrever remédios. É a pressão de pacientes que foram alvo da propaganda de um tratamento, e que insistem na sua adoção mesmo que a eficácia não seja comprovada e que o médico não esteja convicto de que deve adotá-lo.

Sobre essa forma de constrangimento, bastante real, a nota da AMB não tem uma palavra. Médicos que forem insultados ou agredidos por seguirem sua consciência para NÃO prescrever a cloroquina aparentemente não são problema da associação.

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Se a AMB realmente desejava proteger a autonomia de quem está na linha de frente do combate à Covid-19 deveria fazê-lo em relação a qualquer pressão externa. Tanto de quem supostamente deseja proibir um tratamento quanto de quem faz propaganda de um remédio sem ter credenciais para tanto.

Mostrando indignação seletiva, a entidade apenas finge estar acima do “derby político”. Na verdade, tem lado.

Aliás, pelo menos no que diz respeito ao presidente da entidade, não é de hoje que as simpatias políticas estão na mesa. O clínico geral Lincoln Lopes Ferreira há tempos aparece como candidato ao cargo de Ministro da Saúde.

Além de fazer de conta que é neutra quando não é, a nota diretoria da AMB lança mão de outro recurso nada elogiável. Quem exatamente deseja proibir a cloroquina no Brasil? O texto não dá nome aos bois.

A rejeição mais enfática de especialistas ao uso da droga no Brasil provavelmente foi feita em outro comunicado, publicado na última sexta-feira pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Os infectologistas são categóricos: “urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19”. Mas isso é uma orientação.

A SBI não proíbe o que quer que seja, até porque não tem mandado para tanto.

Antes disso, um mês atrás, a Secretaria de Saúde do Espírito Santo também resolveu desaconselhar o uso do remédio. Mais uma vez, não houve proibição.

Enquanto não forem nomeados, os vilões da AMB são imaginários. Ou fake news.

Curiosamente, o presidente Jair Bolsonaro também tratou de denunciar essa conspiração para banir a cloroquina nos últimos dias. Em sua live semanal da quinta-feira, em meio ao habitual elogio à droga, ele fez a acusação: “Ainda tem Estado, eu pedi para a Saúde levantar, que está proibindo a tal da cloroquina. A hidroxicloroquina. Tá proibindo.”

O levantamento do Ministério da Saúde ainda não apareceu. E olha que o presidente falou bastante do remédio no fim de semana. No sábado, no melhor estilo animador de auditório, perguntou a uma trupe de apoiadores se eles pediriam que a mãe ou a avó fosse tratadas com o remédio caso tivessem o coronavíruss. Todos gritaram que sim.


No domingo, o encontro com seguidores já foi mais parecido com um rito religioso. Assim como Dilma Rousseff certa vez saudou a mandioca, Bolsonaro tirou uma caixinha de cloroquina no bolso e a ergueu com as duas mãos, para que seu público a saudasse.

A novidade no discurso de Bolsonaro é que agora, no final das suas odes ao uso da droga, ele deu para acrescentar: “Recomendo que procurem um médico”. Bolsonaro e a AMB estão mesmo afinados.


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