Amargo balanço das Farc depois de um ano de paz na Colômbia

Amargo balanço das Farc depois de um ano de paz na Colômbia

Teatro Colón, 24 de novembro de 2016. Pastor Alape, com meio sorriso, aplaude a assinatura que pôs fim a 53 anos de luta guerrilheira na Colômbia. Um ano depois, o ex-negociador das Farc não esconde sua contrariedade. A paz não avança como esperavam.

“O governo e o Estado não cumpriram (o acordo com) o país. As Farc deram tudo e muito mais do que foi pedido”, afirma Alape, dirigente e negociador do acordo que transformou a poderosa guerrilha comunista no partido Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc).

Tão questionado quanto defendido, o acordo completa um ano e os rebeldes já entregaram as armas e pediram perdão. Mas o Congresso, com uma instável maioria oficialista, ainda não regulamenta a jurisdição especial que julgará os crimes mais atrozes do violento conflito.

Esse sistema prevê que os responsáveis – militares ou guerrilheiros – que confessarem seus crimes, repararem as vítimas e se comprometerem a nunca mais exercer a violência, receberão penas alternativas à prisão.

Tampouco mobilizaram as reformas rurais e políticas contidas no acordo que sobreviveu ao rechaço no plebiscito. Enquanto isso, a Farc prepara sua estreia eleitoral em 2018 com as pesquisas mostrando uma reação desfavorável do povo – 79% dos perguntados não têm uma imagem boa da formação, segundo o Gallup -, além do desânimo de milhares de ex-combatentes em zonas rurais.

Em um hotel de Bogotá, Alape, de 58 anos, compartilha o seu balanço. Mesmo com o risco de crise, é incisivo: a guerra terminou e, ao contrário do que se pode pensar, não planejam um projeto socialista para a Colômbia.

Veja a seguir trechos da entrevista exclusiva com a AFP:

– Vocês cumpriram com o acordo?

– “Cumprimos rigorosamente. O governo não cumpriu nesse sentido e não cumpriu, para ser benevolente, porque não há uma unificação no conjunto, não há uma visão clara. Isso quer dizer que não tem uma estratégia de paz para a implementação. Tinha uma estratégia de negociar a desmobilização da organização, a deposição das armas”.

– Aceitaram deixar as armas antes. Se equivocaram?

– “A Farc tem hoje uma vantagem ética, e é ruim dizer isso, frente ao Estado, frente à dirigência deste país que a cada dia mostra a sua incapacidade, sua perversão para governar”.

– Perversão?

– “É perverso o que fizeram no Congresso. Não dá para entender que legisladores que foram eleitos para comandar o país a melhores condições estejam se interpondo para que o país retorne aos tempos obscuros, aos tempos de precipício”.

– Como está o ânimo dos ex-combatentes?

– “Aqui há bastante preocupação não apenas na comunidade de ex-combatentes, como também na comunidade em geral, porque nos territórios há a esperança de que neste novo momento da história sejamos capazes de reincorporar o Estado a suas funções sociais, políticas, econômicas, não em sua presença militar, como é historicamente conhecido”.

– Se a implementação fracassar, a guerra será reativada?

– “Aqui não há mais espaço para a guerra. Aqui o espaço é para a paz e, por isso, todos os dias reiteramos que a melhor decisão que tomamos foi entrarmos com força na construção da paz, enfrentando todos os obstáculos (…), mas não o estamos fazendo com muita integridade, com muita firmeza e convicção”.

– ‘O país requer pragmatismo político’ –

– O que acha da atuação do presidente Juan Manuel Santos?

– “Acredito que seja um homem que, em relação à paz, fez grandes esforços, mas com uma política econômica e social muito impopular… eu diria fracassada”.

– E dos Estados Unidos?

– “Começaram apoiando o processo. Agora este governo (de Donald Trump) vem se complicando e acredito que não tenha feito uma leitura acertada do desenvolvimento da paz na Colômbia. Mas acreditamos que terão que reformular a sua política porque é o único que há para mostrar ao mundo sobre processos (de paz)”.

– O que irão apresentar nas eleições?

– “Somos muito objetivos e claros quanto ao momento político. O Socialismo não pode ser construído se não avançarmos em condições sociais de consciência, de cultura e do campo produtivo (…). E aqui o urgente, o que este país requer, é modernizar suas capacidades produtivas (…), em outras palavras, construir uma civilização, que é o que não temos”.

– Então não haverá uma proposta socialista?

– “Temos nos movido no pragmatismo político e é isso o que o país precisa, e isso é o que precisamos, independentemente da projeção ser o Socialismo. Mas agora, urgentemente nestes 10, 20 anos, necessitamos poder reincorporar o Estado com capacidades de gestão nos territórios que estiveram isolados”.