A Constituição brasileira chega aos 30 anos 44% mais corpulenta e alvo, em média, de uma proposta de emenda a cada três dias. Desde o dia em que Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, admitiu que ela não era perfeita – “se fosse, seria irreformável” -, a Carta Magna recebeu 99 modificações.

A Constituição – que foi aprovada no dia 22 de setembro de 1988 – ainda é alvo de outras 1.189 propostas de emenda constitucional (PECs) que tramitam na Câmara dos Deputados. Outras 2.210 propostas ficaram pelo caminho ao longo das três últimas décadas, de acordo com dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação.

As principais mudanças foram feitas nas políticas públicas, que correspondem a 80,5% das emendas aprovadas. A conclusão está em um estudo inédito feito pelos professores Cláudio Couto (FGV-SP) e Rogério Arantes (USP), que será publicado em livro organizado por Naercio Menezes, do Insper.

Para Couto, o jogo legislativo é normal e reflete características da nossa Constituição, que, além estabelecer regras gerais sobre direitos e funcionamento do Estado, versa bastante sobre questões mais ’emendáveis’. “Já que ela contém tantas políticas públicas, uma consequência é que você precisa emendar a Constituição com frequência”, diz o professor.

O levantamento dos cientistas políticos dividiu a Carta em “dispositivos” – que podem ser incisos ou parágrafos, por exemplo. As emendas que não criam ou alteram políticas públicas, responsáveis por 19,5% do total, foram classificadas como “regras do jogo”. Elas podem abarcar questões como estrutura do Estado e direitos individuais e políticos, por exemplo.

“Políticas públicas, por sua vez, dizem respeito às ações do Estado idealizadas para alcançar determinados fins, incluindo o de concretizar aqueles direitos constitucionais”, explica Rogério Arantes.

Uma consequência das modificações constantes no texto é a necessidade de os governos formarem coalizões robustas. As PECs precisam de três quintos dos votos do plenário para serem aprovadas, enquanto leis ordinárias exigem apenas maioria absoluta (mais da metade).

“É por isso que uma Constituição com muita política pública torna o ato de governar mais oneroso”, afirma Couto.

Os textos que propõem alterações na Carta ainda precisam passar pela Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, a CCJC, antes de irem a plenário.

Executivo

Com 25 PECs aprovadas, o Poder Executivo é o que mais emendou a Constituição. Propostas de emenda só vão adiante se forem assuntos caros à maioria parlamentar. No presidencialismo de coalizão, o governo é quem costuma ter a maioria.

As outras propostas vieram de fontes pulverizadas. O senador José Serra (PSDB-SP), com três, é o parlamentar com mais sugestões de sucesso legislativo. “Naquela transformação da Constituinte de um projeto parlamentarista para uma Constituição presidencialista, deu-se esse superpoder ao presidente da República”, avalia o deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ), que foi constituinte e está na Casa até hoje.

Ao lembrar o processo de concepção da Carta, Miro conta que, naquele contexto pós-ditadura militar, diversos segmentos da sociedade buscavam ter representatividade nas discussões. Era comum a pressão em Brasília de grupos específicos, de donas de casa a cadeirantes.

“Nós estávamos recém-saídos da ditadura e com medo de nova ditadura. Todos os grupos queriam deixar na Constituição os seus direitos assegurados.” Miro elogia a Constituinte em oposição à atual composição do Congresso. “O voto era disputado no discurso e no argumento. É incomparável.”

Outro ponto que chama a atenção é a quantidade de propostas que foram apensadas, ou seja, somadas a outras parecidas: 564, que se transformaram, na prática, em 273.

Com tamanha quantidade de “retalhos”, Miro Teixeira vê a Constituição de hoje com mais defeitos que a original. “Eu não diria que a Constituição acabou, porque ela existe ainda nos direitos individuais, nas cláusulas pétreas. A Constituição de 1988 foi desfigurada e ela não era perfeita, diga-se. Mas os seus defeitos foram aumentados.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.