Aluna tem matrícula cancelada na UFSB sob acusação de fraude de cota trans

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Foto: Arquivo Pessoal

A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) cancelou a matrícula de uma estudante de medicina por suspeita de fraude em uma vaga direcionada para pessoas transexuais, travestis e transgênero. As informações são do site Universa, do UOL.

Em entrevista ao site, Joana Magalhães conta que é “transgênero fluido e, às vezes, não binário”. Ela explica: “O que isso quer dizer? Eu não me conformo em ter o gênero exclusivamente masculino. Eu transito entre os dois ou nenhum. Mas depois de assumir a minha transgeneridade eu tenho transitado bastante no feminino. Por isso uso ‘Joana'”, conta.

Ela afirma ter sido a primeira pessoa a cursar medicina na UFSB por meio de uma vaga destinada a pessoas transgênero, travestis e transexuais. Em 2018, a instituição abriu um processo seletivo com reserva de vagas para pessoas desses grupos.

Joana chegou a estudar por oito meses na universidade. O cancelamento aconteceu após uma denúncia de suposta fraude, que cita o nome masculino que foi registrado no nascimento de Joana, e que alegava que a estudante não se identificaria como pessoa trans.

A estudante enviou à reportagem documentos que mostram ter sido aberta uma comissão na UFSB para apurar o caso.

“Depois de saber do processo e de solicitar o acesso às provas, isso não foi respondido. Em todas as questões, eles foram evasivos, e ninguém me dizia nada. Essa comissão tinha 30 dias para poder existir e depois prorrogaram por 30 dias. Mas isso acabou prorrogado por 8 meses”, diz Joana.

A estudante tentou recorrer na universidade contra o cancelamento, mas o último recurso, julgado na sexta-feira (11) pelo Conselho Universitário (Consuni), determinou a manutenção da suspensão da matrícula.

“Me senti destruída, morta e pisoteada. Porque sabia que além do cancelamento viria uma chuva de ódio. Porque eu vivi com a Joana e vivi uma tentativa de homicídio pela universidade”, diz a estudante.

O Consuni preparou um parecer que confirmou a decisão de cancelamento da matrícula de Joana. Nele, são citadas supostas evidências de que a estudante teria assumido a identidade transgênero somente depois que entrou no curso de medicina da UFSB.

“Não poderia haver reparação a uma situação social e subjetiva de violência mediante a constatação de inexistência de uma vivência relacional e social marcada pela condição de pessoa trans que se configurasse anteriormente ao momento da entrada da estudante no curso de Medicina”, diz o documento.

A estudante contesta esse argumento e diz que já revelava sua identidade transgênero de forma mais livre quando morava em Vitória (ES), mas que ao morar em Teixeira de Freitas (BA), enfrentou dificuldades de se assumir socialmente por conta do preconceito.

“Foi um estopim para voltar a usar o nome Joana, porque eu já usava há muito tempo. Quando eu morei em Vitória, dei uma libertada na alma e lá utilizava muito, mas vim embora para cá e tinha todo o contexto de trabalho e de família”, conta.

O que diz a UFSB

A Universidade Federal do Sul da Bahia confirmou o cancelamento da matrícula de Joana após “reunião extraordinária” realizada na semana passada. Segundo a instituição, ela diz que “garantiu o amplo direito de defesa à estudante” e que a investigação foi aberta após um conselheiro da instituição abrir parecer. Leia a nota completa abaixo.

A UFSB adotou o programa de vagas supranumerárias em 2017 (Res. 07/2017) a ampliando em 2018 (Res. 10/2018). Este processo tem origem em debate realizado (que propõe ambas as minutas de resolução aprovadas pelo Conselho Universitário – CONSUNI) na Comissão de Políticas Afirmativas da UFSB (instituída por meio da Resolução 03/2016). O debate a respeito da criação da vaga considerava o grau de marginalização social e e exposição a violência sofrida por pessoas Trans, notadamente Travestis e Transexuais.

A proposição da reserva de vagas considera como instrumento de solicitação da vaga uma autodeclaração apresentada pela/o candidata/o, assim como é feito na maioria das políticas de cotas. Porém o entendimento aplicado desde a resolução 10/2018 é que a universidade tem o dever de zelar pela aplicação deste bem público, podendo a qualquer tempo avaliar se a candidatura apresentada representa o segmento, a partir dos objetivos de reparação e inclusão que deram origem proposição da ação afirmativa própria, a luz da autonomia da universidade.

Em virtude da necessidade de acompanhar sua política de cotas, evitando o risco de fraudes, a UFSB criou o Comitê de Acompanhamento da Política de Cotas (CAPC), órgão colegiado com prerrogativas estabelecidas na Resolução 26/2019, que vem instaurando processos de Averiguação de denúncias, que tem garantido apuração cuidadosa e espaço de defesa as/aos denunciadas/os.

O caso em tela foi apurado por um longo período, tendo sido escrutinado posteriormente por uma Comissão Recursal, e pelo pleno do Conselho Universitário a partir de um parecer apresentado por um dos seus conselheiros.

A UFSB reitera o desejo que políticas públicas de ações afirmativas como essa sejam protegidas para que possam cumprir o papel originalmente desejado, e reforça a sua responsabilidade e autonomia na avaliação dos seus atos administrativos internos.

Reforçamos também que o nosso entendimento sobre o público objeto desta política reparatória tem sido corroborado pela ampla maioria da comunidade acadêmica, assim como por lideranças e entidades da sociedade civil organizada, como pode ser verificado na Nota Pública da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) emitida em 17 de dezembro de 2020.