Vitrine da política externa orientada para valorizar as relações Sul-Sul durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o continente africano entrou também na rota do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes. Ele começa nesta segunda-feira, 8, um roteiro por cinco países do continente – Namíbia, Bostuana, Malaui, Moçambique e África do Sul – em busca de novos negócios.

“Estamos retomando uma atividade diplomática que, durante o governo Dilma, ficou esquecida”, disse o ministro. “O Brasil tem uma capacidade de trânsito na África, por afinidades culturais que temos, que não pode ser desprezada. Pelo contrário, deve ser valorizada.”

O objetivo, explicou o chanceler, é retomar uma “presença política” no continente, que está em “franca mutação.” Ele quer também tirar do papel alguns acordos de cooperação assinados por Lula que não tiveram consequência prática.

O ponto alto da visita deverá ser a inauguração, na sexta-feira, 12, de um corredor logístico em Moçambique. É uma ferrovia de US$ 8 bilhões construída pela Vale, ligando as minas de carvão de Moatize, no noroeste do país, até o porto de Nacala, no nordeste. Em seu trajeto, a linha cruza o Malaui.

A expectativa é que sejam instalados projetos econômicos em seu entorno, para aproveitar o acesso a um porto de águas profundas, que permite a chegada de navios de grande porte.

“A África cresce a taxas superiores às da América Latina”, disse o embaixador Santiago Irazabal Mourão, subsecretário-geral de Cooperação Internacional, Promoção Comercial e Temas Culturais do Ministério das Relações Exteriores. “É um continente ávido por investimentos, joint ventures e adensamento de comércio.”

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Em Moçambique, a visita de Nunes coincidirá com a ida de uma missão de 20 a 30 empresas brasileiras interessadas em aumentar seu comércio na região. Esse mesmo grupo o acompanhará também na visita à África do Sul. Nesses dois países, estão programados seminários sobre produtos brasileiros e reuniões com potenciais compradores.

Os focos serão alimentos e bebidas, máquinas e equipamentos e eletroeletrônicos, segundo listou a diretora de Negócios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Marcia Nejaim. Haverá também representantes do setor têxtil e de confecções.

Ela explicou que os países africanos estão interessados em desenvolver o agronegócio. Em Moçambique, haverá um painel sobre a experiência brasileira no desenvolvimento do etanol. “Moçambique e outros países estão interessados em fazer o que fizemos aqui”, comentou. A oportunidade, no caso, é vender para eles produtos e serviços como a estruturação de usinas de açúcar e álcool, além de abrir mercado para equipamentos.

Na África do Sul, os empresários deverão participar de um seminário e também visitar potenciais compradores. O chanceler, por sua vez, deverá dialogar sobre acordos que se encontram travados, segundo mapeamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O principal deles, segundo explicou o gerente executivo de Comércio Exterior da entidade, Diego Bonomo, é um acordo de investimentos. Entre outras coisas, ele facilita o diálogo e protege os investimentos de um país no outro. O Brasil apresentou uma proposta em 2015, mas as conversas não avançaram. Já foram fechados entendimentos desse tipo com Malaui e Moçambique, mas eles estão pendentes de aprovação nos respectivos congressos.

Outro tema que deverá constar da pauta é a ampliação do acordo entre o Mercosul e a União Aduaneira da África Austral (Sacu, na sigla em inglês), que além da África do Sul é integrado por Bostuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia. Hoje, o acordo garante que 205 produtos ingressem no bloco africano sem pagar tarifa de importação. Porém, o Brasil tem uma lista de 351 mercadorias que gostaria de vender para lá. Entre os que estão de fora, há itens importantes da balança comercial, como papel e celulose, veículos, têxteis e calçados.

Um terceiro acordo de interesse da indústria é o de cooperação entre escritórios de patentes, pelo qual as avaliações feitas em um país são aceitas pelo outro. O Brasil já tem entendimentos desse tipo com Estados Unidos, União Europeia e Japão.

O Brasil gostaria, ainda, de fechar acordos na área de Previdência com África do Sul, Moçambique e Malaui. Assim, um trabalhador brasileiro que esteja nesses países contribuiria para o sistema local, mas isso contaria também pelo INSS. “Isso evita que as empresas sejam duplamente tributadas”, explicou. Com Moçambique e Malaui, o Brasil tem interesse também em acordos contra a bitributação, não só das contribuições previdenciárias, mas também dos demais tributos.

Com Bostuana e Namíbia, a proposta é a adesão à Convenção de Istambul, que facilita a entrada temporária de equipamentos. Sem esse acordo, explicou Bonomo, um equipamento que precise entrar no Malaui para fazer um reparo da ferrovia, por exemplo, passa por um trâmite burocrático semelhante ao de uma importação. A convenção garante que esse processo seja mais simples e rápido, já que o equipamento não ficará lá.

Embaixadas

Preocupado em reequilibrar o orçamento do Itamaraty, o ex-ministro das Relações Exteriores José Serra encomendou à sua equipe, logo ao assumir o comando da pasta, um estudo para fechar embaixadas na África e no Caribe. Estavam na mira os postos em países com baixa representatividade nas relações comerciais e políticas do Brasil.


A ideia, porém, entrou em banho-maria logo nos primeiros dias da gestão do ex-chanceler. Avaliou-se que o fechamento de postos diplomáticos ia na direção contrária da orientação do governo de Michel Temer, que era recolocar a política externa e comercial como uma prioridade.

Por isso, o enxugamento de gastos se concentrou em destinos mais caros, como Genebra e Londres. Nessas cidades, órgãos foram remanejados para economizar com aluguel. Houve também redução do número de diplomatas.

Aloysio Nunes avalia que o fechamento de embaixadas teria resultado do ponto de vista financeiro e também de utilização de recursos humanos. Porém, existe também um custo político, que é considerado elevado. Ao retirar-se de alguns países, o Brasil poderia enfrentar problemas em sua atuação em organismos internacionais, com a perda de votos.


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