Médico e prefeito de Itajaí, em Santa Catarina, Volnei Morastoni (MDB) gravou um vídeo para recomendar um tratamento contra a Covid-19: injeções retais de ozônio. Morastoni não deixou claro se foi cobaia do seu próprio método. Segundo ele, são necessárias dez aplicações.

O ozônio retal é só a mais recente adição à lista de remédios tiro-e-queda sugeridos para domar a pandemia do coronavírus. O pastor Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, está sendo processado por vender feijões mágicos contra a doença. Donald Trump sugeriu injeções de desinfetante. E claro, há Jair Bolsonaro com sua propaganda permanente de remédios produzidos por laboratórios, mas sem eficácia comprovada contra os sintomas dos vírus (e com alguns efeitos colaterais perigosos).

Prescrever óleo de cobra aos doentes é uma antiga tradição. Lembro de ter resenhado, uns vinte anos atrás, um livro que passou meses nas listas de mais vendidos do Brasil. Escrito por um padre, ele prometia curar o câncer (e várias outras moléstias) com um shake de pinga e babosa. Gravei a condição para que a poção fizesse efeito: a babosa tinha de ser colhida de madrugada, até quatro dias depois da última chuva. Lembro que o bom padre também recomendava outros santos remédios, como urina e argila.

Muita gente ficou brava com aquele texto, dizendo que não era justo privar de uma esperança pessoas que já sofriam de uma doença tão grave. Entendo o argumento. Quando minha própria mãe teve câncer, era comum lhe sugerirem este ou aquele chá milagroso. Às vezes ela parecia interessada em provar, e eu não tinha ânimo para desencorajá-la. Ela sempre acabava desistindo sozinha da ideia.

Observo, no entanto, que tomar um remédio é algo bem diferente de fazer propaganda dele. Digamos que as pessoas têm o direito de ingerir o que quiserem, mas não têm o direito de sair por aí recomendando remédios em larga escala, sem ter a formação médica e o respaldo científico para tanto. Isso é irresponsabilidade. Em algumas circunstâncias, até crime.

Mas voltemos ao ozônio. Ao longo desta terça, brotaram memes e mais memes zombando do prefeito de Itajaí. Essa é outra resposta comum a soluções mágicas para lidar com problemas difíceis: o ceticismo e o riso.

Qual dos dois comportamentos prevalece entre os seres humanos, a credulidade ou o ceticismo?

Acabei de ler um livro que argumenta que a segunda opção é a correta. Ele foi escrito pelo americano Hugo Mercier e se chama Not Born Yesterday (Não Nasci Ontem). Mercier é cientista cognitivo, estuda os mecanismos de crença no laboratório e concluiu que a evolução fez com que os seres humanos fossem mais inclinados a desconfiar das afirmações de seus semelhantes do que a aceitá-las sem pensar. Segundo Mercier, a ideia de que existe um trouxa em cada esquina, pronto a cair no conto do vigário ou da cloroquina, é exagerada. Sim, é claro que as defesas às vezes são vencidas. Mas essa, diz o cientista, está longe de ser a regra.

Se Mercier estiver certo, a lenga-lenga de Trumps e Bolsonaros foi recebida com mais risos de descrença e rosnados de irritação do que améns. A cloroquina encalhada nos depósitos do Exército (4 milhões de comprimidos, segundo as últimas informações)  e a que deve ser devolvida por Estados que decidiram não usar os comprimidos enviados pelo governo federal (outro 1,4 milhão de pílulas) parece confirmar a tese.

Há uma segunda conclusão no livro que merece atenção. Mais uma vez, ela inverte um raciocínio comumente aceito. Desta vez, é uma má notícia. Segundo o autor, “não é porque as pessoas têm crenças falsas que elas tomam decisões erradas ou maldosas; pelo contrário, é para justificar as decisões maldosas e erradas que as pessoas se apegam a crença falsas”.

Em outras palavras, as más intenções sempre vêm em primeiro lugar.

Por isso é tão necessário contestar e confrontar quem sai por aí alardeando os seus santos remédios.

PS:  Não recomendo ao leitor, mas recomendo ao presidente, o tratamento de ozônio. Sei que ele já se curou do covid-19, mas vai que o bicho volta…