A EMERGÊNCIA DO CONTEMPORÂNEO: A VANGUARDA NO JAPÃO/1950-1970
A EMERGÊNCIA DO CONTEMPORÂNEO: A VANGUARDA NO JAPÃO/1950-1970

É verdade que as exposições atualmente em cartaz no Rio de Janeiro que tem o esporte como mote ou inspiração poderiam ser facilmente reduzidas a agressivas estratégias de marketing para atrair um dízimo das centenas de milhares de turistas que inundam a cidade olímpica. No entanto, é preciso pontuar que os Jogos trouxeram ao Rio exposições de primeira grandeza, relacionadas ou não às modalidades esportivas. Este é o caso de “A Emergência do Contemporâneo: A Vanguarda no Japão, 1950-1970”, no Paço Imperial, que apresenta pela primeira vez no Brasil a arte de vanguarda que floresceu no Japão entre 1950 e 1970. Com curadoria de Pedro Erber e a colaboração de Katsuo Suzuki, curador do Museu Nacional de Arte Moderna de Tóquio, a mostra traz algumas das obras mais representativas do período que marcou a transição da pintura ao objeto tridimensional, a performance e a arte conceitual.

Embora artistas como Yoko Ono, Kazuo Shiraga ou o coletivo Gutai não estabeleçam relações diretas com o maior evento da terra, sua produção tem como cenário a cidade antes e depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio de 1964. A exposição traça, portanto, paralelos surpreendentes. Descobrimos que Tóquio 1964 tem mais a ver com Rio 2016 do que poderíamos imaginar. Para começo de conversa, a capital japonesa sediou os primeiros jogos em terras não europeias e o Rio é pioneiro em território latino-americano. Ambos eventos se configuraram como oportunidades para as cidades se projetarem internacionalmente. O Japão usaria a multimidiática máquina olímpica para exibir ao mundo sua reconstrução após a derrota na Segunda Guerra Mundial. O Rio, em situação não menos dramática, teria a missão de fazer o evento acontecer em meio ao colapso econômico do estado, e a grave crise política nacional.

“A Vanguarda no Japão” ensina que a remodelação da cidade asiática se processou em ritmo tão acelerado quanto a que vivemos no Rio de Janeiro, onde as obras públicas de mobilidade foram inauguradas às vésperas da abertura do evento. Em ambos os casos, viveram-se as mais intensas transformações urbanas jamais ocorridas. Politicamente comprometidos, coletivos de artistas japoneses chamavam atenção para os bairros tradicionais e populares, destruídos para dar lugar a edifícios modernos e avenidas cartesianas – retas e limpas –, na tentativa de mostrar ao mundo um “Japão do futuro”. Aqui não foi diferente. Cariocas e artistas vindos de todas as partes do Brasil fizeram de seus trabalhos formas de resistência às remoções e desapropriações de moradores de comunidades cruzadas pelo projeto olímpico.

ORDEM E CAOS Coletivo brasileiro reedita a performance no Rio, em 2016
ORDEM E CAOS Coletivo brasileiro reedita a performance no Rio, em 2016

Em ambos os casos, os organizadores se depararam com o lixo e a poluição. Se o Rio ficou longe da promessa de despoluição da Baía de Guanabara, Tóquio empreendeu um projeto de pureza estética e ordem, escalando 2 milhões de pessoas para a limpeza das ruas. Na intervenção urbana “Campanha para a Promoção da Limpeza e Ordem na Metrópole” (1964), o coletivo Hi-Red Center ironiza a ação higienista, comparada ao fascismo dos anos 1930. No Rio, a convite do curador Pedro Erber, o coletivo Seus Putos realizou uma releitura da performance de 1964 do Hi-Red Center. Embora a ação escancare a crítica a um movimento de especulação imobiliária que teria surgido com as reformas da região portuária, o que se revelou afinal não foi a realização de um projeto de limpeza estética, nem muito menos uma cidade maquiada. Os cariocas hoje reconhecem as paisagens, os espaços de convivência e as arterias de conexão com os subúrbios que ganhou.

Em 2020, sucedendo o Rio, Tóquio voltará a sediar as Olimpíadas, desta vez com uma economia amadurecida. Se o Rio não atendeu à expectativa de superar herculeamente o cenário de crise nacional, encantou ao equilibrar o caos e a ordem. Ao não abafar com o ruído das britadeiras a alma encantadora de suas ruas, consagra-se como a cidade do aqui e do agora.