Allan Souza Lima fala sobre a filosofia por trás da ‘method acting’

Ator é adepto de técnica eternizada por artistas como James Dean, Joaquin Phoenix e Heath Ledger

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Allan Souza Lima Foto: Divulgação

Allan Souza Lima, nome de destaque na arte dramática nacional, acaba de concluir as filmagens da segunda temporada de “Cangaço Novo”, sucesso do Prime Vídeo. O ator submerge, mais uma vez, nas paisagens áridas do sertão nordestino, retornando ao papel do protagonista, Ubaldo, pouco após a trama conquistar o Grande Otelo, antes conhecido como Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.

A série, que reinventa o cangaço sob uma luz contemporânea, conquistou o público e crítica especializada e rapidamente se tornou um fenômeno global, ecoando em 49 países como ode à resistência cultural, e é nesse cenário que o ator pernambucano se aprofunda na ‘atuação de método’, técnica elevada por nomes como Meryl Streep, Heath Ledger e Al Pacino.

A escolha de Allan de viver o sertão durante as filmagens não é apenas uma coincidência geográfica; é uma extensão direta de sua dedicação ao método. A abordagem, originada pelo diretor russo Konstantin Stanislavski e refinada por Lee Strasberg, pede que os atores realmente se conectem com o personagem, usando suas próprias experiências para sentir e viver o papel de forma intensa e real. Muitas vezes, essa conexão inclui adotar aspectos da vida do personagem fora, também, das câmeras.

Assim como outros atores adeptos dessa técnica, como Daniel Day-Lewis e Christian Bale, o eterno “Psicopata Americano”, Souza Lima a explora para trazer mais autenticidade às suas performances: “A atuação de método sempre esteve presente em mim, de forma quase instintiva, mesmo antes de eu ter conhecimento formal sobre o ‘method acting’. Em 2011, quando fiz a série ‘Preamar’, da HBO, eu interpretei o Rai, que era um barraqueiro de praia, e foi ali que tive minha primeira imersão nessa abordagem sem sequer saber que ela existia”.

“Eu nunca havia pego um papel com aquelas características e, na tentativa de descobrir como me preparar, tomei a decisão: ‘vou virar barraqueiro’. Passei três meses na praia, acordando às cinco da manhã todos os dias, vivendo a rotina de quem trabalha ali, absorvendo cada detalhe, cada nuance dessa vida. Esse processo me ofereceu uma compreensão mais profunda do universo do personagem, e também me trouxe materiais que influenciaram diretamente a construção do Rai”, seguiu.

“Foi com essa experiência que eu comecei a perceber que minha abordagem se assemelhava a algo mais estruturado, algo que só mais tarde viria a conhecer como um método de atuação. Anos depois, ao assistir ‘Meu Pé Esquerdo’, com Daniel Day-Lewis, fiquei completamente fascinado pelo nível de comprometimento dele com o papel. A partir daí, mergulhei em pesquisas e compreendi que aquele processo intuitivo que já pulsava dentro de mim era, na verdade, uma prática consolidada no universo da atuação”, complementou.

A entrega ao método, no entanto, vai além da adaptação ao ambiente. Em seu mais recente projeto, com o papel de Guga na atual novela das 9 da Globo, “Mania de Você”, Allan foi além. Instrutor de esqui aquático, o personagem exigia que ele soubesse pilotar uma lancha, então, o artista assumiu a decisão de se tornar um arrais amador, certificado de aptidão para navegação.

Allan completou o curso, passou pela prova da Marinha e hoje pode pilotar oficialmente. Sobre a experiência, ele comenta: “Apesar de não ser adepto do método na televisão, por envolver uma demanda emocional que o meio não exige, eu gosto de me manter sempre aberto a novas experiências e aprendizados, e essa foi uma.

“Não sou muito de ficar pensando demais, prefiro receber as coisas como vêm, com o frescor de um convite, e então me dedicar a entender o personagem. Talvez também por isso eu tenha uma forte atração por personagens que exploram suas sombras. Quanto mais profundas forem essas sombras, mais me fascinam”.

“Certa vez mencionei o Coringa como exemplo de personagem que eu gostaria de interpretar, e falo dele porque é o arquétipo máximo da sombra humana, e personagens que carregam essa escuridão, suas dores, me atraem profundamente. Para mim, isso representa um processo constante de investigação e descoberta”, completa.

Não é necessário ser um artista de método para impulsionar a carreira no cinema, mas aqueles que o foram conseguiram se eternizar na sétima arte. É essa a trajetória que Allan está seguindo. O ator acaba de finalizar as filmagens de seu mais novo projeto, com destino às telonas: o longa-metragem “Lusco-Fusco”. Nele, Allan interpreta Matias, um homem imerso em um ciclo de violência, preso a um relacionamento abusivo com Vera, personagem interpretada por Amandyra.

Para ele, mais do que uma técnica de atuação ou uma simples ferramenta de trabalho, a entrega ao ofício representa uma filosofia que transforma sua percepção tanto dos personagens que interpreta quanto de si mesmo.

“O método envolve um nível de comprometimento tão profundo que, inevitavelmente, o personagem acaba te transformando de alguma forma, seja pela luz ou pela sombra que carrega. Durante as minhas experiências, eu acabei desenterrando muito do que ainda estava enterrado. A dor e o choro que senti ali foram, na verdade, a resolução de algo que eu nunca tinha enfrentado — uma dor reprimida de não ter completado o ciclo de despedida da minha própria família”, conclui.