Um dos períodos mais opressivos da humanidade foi o do Absolutismo, entre os séculos XVI e XVIII. Naquela época não era permitido criticar as autoridades, poucas pessoas sabiam ler e escrever, o conhecimento não era difundido e a religião católica era mesclada à política, o que obrigava as pessoas a respeitarem e, na maioria das vezes, viverem mediante seus dogmas. Além disso, o que ficou conhecido como revolução científica só seria assumida como um parâmetro capaz de orientar a conduta das pessoas muitos anos depois da disseminação dos trabalhos de Galileu Galilei. No momento absolutista, aspectos relacionados à saúde eram tratados de forma religiosamente supersticiosa e exigências médicas eram facilmente ignoradas.

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Nesse ambiente obscurantista subiu ao poder eclesiástico Fabio Chigi, o papa Alexandre VII. Ele viveu entre os anos de 1599 e 1667 e seu incrível feito foi implementar um lockdown para conter o avanço da peste que dizimava a população europeia naquela época. Segundo investigação feita pelo historiador italiano Luca Topi, professor da Universidade de Roma La Sapienza, entre 1656 e 1657 a peste matou 55% da população da Sardenha, metade da população de Nápoles e 60% dos moradores de Gênova. Quando o pontífice soube que a peste se aproximava de Roma, valorizou e tornou funcional o trabalho da Sagrada Congregação para a Saúde, fechou os acessos à cidade, criou um grupo clerical para fiscalizar e registrar quem entrava e saia pelos seus portões e, aos poucos, limitou o funcionamento do comércio.

CONHECIMENTO Alexandre VII colocou em prática medidas restritivas para conter a peste (Crédito:Divulgação)

Distanciamento social

“A partir da liderança papal, Roma teve apenas 8% de mortes” afirma Marcial Maçaneiro, padre, docente e pesquisador da pós-graduação em Teologia da PUC do Paraná. Conforme a contaminação avançava, o papa criava mais restrições na cidade. Sua obstinação era tão grande que ele passou a ministrar missas com distanciamento entre as pessoas, ação considerada inadmissível por membros da Igreja. “Os fieis recebiam a benção pela janela”, diz Maçaneiro. Sabiamente, Alexandre VII entendia que uma das formas de se controlar uma epidemia era o distanciamento social e a quarentena, conhecimento que ele adquiriu na cidade de Veneza, onde havia um hospital de quarentena. “Nessa instituição acontecia o isolamento e a quarentena das pessoas, sobretudo da tripulação dos navios mercantes que chegavam”, explica. O papa implementou as medidas sanitárias sem saber exatamente o que estava combatendo.

A identificação da doença só seria feita em 1894, graças ao trabalho do bacteriologista Alexandre Yersin (1863-1943), descobridor do bacilo causador da peste bubônica. “Não fosse a ousadia do papa, a letalidade da doença teria sido muito maior”, diz Maçaneiro. O papa Alexandre VII valorizava o saber e era apaixonado pelo progresso da humanidade. Entrou para história como um fã de arquitetura e de arte e foi doutor em filosofia, teologia e direito. Acredita-se que a proximidade com os estudos foi essencial para que ele tivesse a sensibilidade de perceber o quanto era necessário para conter a circulação de pessoas e combater a doença. “O papa era amigo dos artistas, valorizava a filosofia e dava muita atenção à fragilidade humana”, conta Maçaneiro.

No século XVII, um papa tinha muito mais poder do que hoje. O bispo de Roma comandava um território maior do que o do Vaticano atual. Além de gerir a Igreja, ele exercia forte liderança política. Mesmo com tanto poder nas mãos, o arrojado pontífice não escapou das críticas e foi alvo dos negacionistas da época, dentro e fora do clero. Comerciantes criaram uma liga para se contrapor ao papa e lutaram contra as medidas restritivas. Surgiram até notícias falsas a respeito do lockdown. “O papa chegou a ser acusado de inventar a doença em benefício próprio, para ganhar popularidade”, conta Nathalie Hornhardt, professora da FAAP. Conhecer as medidas sanitárias impostas por Alexandre VII, no século XVII, causam duas impressões sobre a atual crise pandêmica: primeiro, a discussão sobre a necessidade do distanciamento social para conter a disseminação do coronavírus está mais do que obsoleta. Depois, as quase de 370 mil mortes no Brasil do século XXI, indicam que o país regrediu à idade das trevas.