A história humana é repleta de personagens injustiçadas pela chamada narrativa (termo moderno, mas sempre existente). Ao longo de séculos e milênios, heróis tornaram-se vilões e vice-versa, a depender do contexto, do entendimento e dos narradores dos fatos. No Brasil, então, isso é muito mais que recorrente. É, eu diria, quase parte da nossa cultura.

Dizem que futebol, política e religião não se discute. Beleza. Mas são pratos cheios para mistificações, positivas e negativas, e usina de falsos mitos. A melhor seleção brasileira de todos os tempos (1982) criou vilões injustiçados, como Toninho Cerezo, do Galo, que levou a culpa pela eliminação contra a Itália, e Júnior, lateral do Flamengo, saiu ileso da derrota.

Na política, Getúlio Vargas varia de ditador a pai dos pobres. Geisel, de general linha dura a precursor da democracia. Até o ovo sofre com o vai e vem da história. Um dia é vilão e deve ser evitado. Outro dia é saudável e deve ser ingerido fartamente. Eu, por exemplo, já fui taxado de fascista, depois tornei-me comunista e agora rumo para o limbo, hehehe.

Alexandre de Moraes, Xandão para os íntimos, foi da ala dos ministros do STF que condenaram à cadeia o então ex-presidente Lula da Silva. À época, os hoje bolsominions o adoravam, mas bastou o magistrado contrariar o “mito”, e seguir a lei, algo inaceitável para essa gente estranha, que se transformou no inimigo número 1 da Bolsolândia.

Com alguma frequência, parte da imprensa ajuda nessa “narrativa” bolsonarista, e acusa Moraes de ser autoritário e de praticar ativismo judicial, quando não raro, segundo essas vozes, agir de forma contrária à Constituição Federal. Contudo, é comum ler, ver e ouvir gente muito séria e preparada, do Direito, endossar os atos do ministro Alexandre.

Não sou conhecedor do assunto e, portanto, pauto minhas opiniões levando em conta o que dizem juristas renomados e amigos que militam no setor, em quem confio. Meus “formadores de opinião” caminham no sentido do endosso, senão integral, majoritário das decisões do supremo carequinha, e mais, fundamentam cada linha a respeito.

Eu tive a oportunidade de entrevistar o ministro durante live da revista IstoÉ no domingo do segundo turno das eleições, e o cumprimentei e agradeci pelo trabalho árduo e incansável em defesa da democracia brasileira. Gostem ou não gostem deste senhor, o fato é que foi – e é! -, sim, um guerreiro quase solitário contra essa horda tresloucada de golpistas à solta.

Ontem (domingo, 13/11) em Nova York, onde participa de um evento, foi hostilizado e xingado pela turba bolsoloide, que se diz patriota, mas pretende segregar os nordestinos; que se diz democrática, mas prega golpe de Estado; que se diz cristã, mas defende a violência; que se diz liberal, mas não aceita as leis e o resultado das urnas.

Uma das mais espetaculares canções da MPB é de Caetano Veloso, “Sampa”. Um trecho explica bem o ogro que, aos berros e histérico, xingou Moraes e outros ministros do Supremo à porta do hotel onde estão hospedados: “Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto. Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto”.

Para a sorte do Brasil, o bolsonarista maluco está certo: Moraes é diferente dele. Para a sorte do Xandão, a malta não o tem como semelhante. Para a sorte de Caetano, o Narciso acha feio o que não é espelho. Para a minha sorte, Roberto Jefferson está preso e, bem ou mal, exagerando ou não, Alexandre manteve de pé o País. Espero que, um dia, a história lhe faça a devida justiça.