Alex Atala: a América Latina deve ser mais que o celeiro do mundo

Alex Atala: a América Latina deve ser mais que o celeiro do mundo

O chef que fez o mundo descobrir os sabores da Amazônia, Alex Atala, defende que a América Latina deve ser mais do que o celeiro do mundo e ter um papel-chave para repensar estratégias que tornem nossa alimentação mais rica e sustentável.

O paulista, de 49 anos e braços tatuados, que deixou os pratos de DJ para aprender com os melhores cozinheiros na França, mostra que hoje em dia os grandes chefs têm um papel que vai além dos fogões.

Dono do restaurante D.O.M. em São Paulo (nº3 da América Latina e nº16 do mundo, segundo a revista Restaurant, e duas estrelas pelo Guia Michellin), Atala lançou no último final de semana “Fruto”, a primeira edição de um simpósio internacional destinado a buscar “alternativas limpas para alimentar o mundo”.

Durante o congresso, o chef concedeu uma entrevista à AFP:

Pregunta: Este congresso lança um grande desafio. Por que fazê-lo no Brasil?

A primeria coisa que a gente tem que entender é que esse é um problema mundial. O maior paradigma para a humanidade nas próximas décadas é como vamos nos alimentar. Não existe uma verdade, uma resposta única. Por que lançar esse diálogo aqui? Porque é o único lugar do mundo onde todos os atores da cadeia de alimentos estão presentes é na América do Sul, no Brasil e, de alguma forma, em São Paulo.

P: Qual é seu temor?

Eu não tenho temor, por uma coisa muito simples: seja uma comunidade tradicional, seja uma grande indústria, o governo ou a sociedade civil, todo o mundo entendeu que como estamos não dá para continuar. Essa consciência existe. Eu acredito na cidadania e a primeira coisa a mudar é ter a vontade.

P: Você reivindica sabores amazônicos desconhecidos pela maioria. Vivemos desconectados de nossa ancestralidade?

Sempre falo da desconexão do homem com o alimento. Não me assusta que 90% dos brasileiros nunca tenha experimentado cupuaçu, bacuri, o que me congela o peito é quantas pessoas no mundo desconhece um pé de laranja. Os alimentos são presentes da natureza, e é este valor que precisamos compreender. Infelizmente, fazemos parte de uma sociedade que nos ensina a adorar o dinheiro. Se não jogamos uma moeda fora, por que a gente joga comida fora?

P: Você acredita que as comunidades amazônicas têm muito a nos ensinar nesse sentido?

Muito. Existe uma grande diferença entre pobreza e miséria. Infelizmente, o homem aprende a respeitar mais a comida na miséria. Espero que a gente não tenha que passar por isso para valorizá-la. Na nossa cultura, se a gente vai plantar, tem que plantar a mandioca que cresce mais, que produz mais, que é mais bonita e saborosa. Na Amazônia, as mulheres indígenas coletam as várias variedades de mandioca e as guardam, porque pode ser que o ano que vem não chova. Essa é uma lição não só de cidadania, mas de preservação da biodiversidade, porque a gente não conhece o amanhã.

P: O desmatamento da Amazônia avança no Brasil. Você considera que a floresta está mais ameaçada?

O desmatamento é um fato. Não sei o que está mais ameaçado, se a Amazônia ou a próxima geração. Existe uma nova geração que pode não experimentar a beleza que vivemos agora, pode não provar os sabores que temos. Existe uma perda de biodiversidade gigantesca. O mundo hoje come praticamente as mesmas coisas e isso é triste.

P: A América Latina vive um ‘boom’ gastronômico, qual sua contribuição para o mundo?

A América Latina fez um grande aporte, que foi levar novos ingredientes para a dieta mundial, como o milho, batatas e chocolate. Talvez a América Latina esteja pronta para fazer um segundo aporte, que é fomentar o espeço para o diálogo. Somos o celeiro do mundo, e o mundo vai ter que entender que, para a gente continuar sendo celeiro, também temos que resguardar as populações tradicionais, habitats, biomas, culturas.

P: Peru e México carregam a batuta. O que falta ao Brasil?

São bons exemplos, dois países que entram no sonho das pessoas principalmente pelos sabores que representam. Se falo de tomate, mozzarella e manjericão, pensamos na Itália. Coentro, limão e cebola, no Peru. O Brasil ainda não fez essa lição de casa. Isso passa pelo orgulho de nossa terra, do caipira. O Brasil é um produtor de matérias-primas e isso nos orgulha, mas ainda soterra sua própria cultura.

P: E qual seria o sabor do Brasil?

Mandioca, mandioca e mandioca (ri). É um dos ingredientes mais fascinantes que temos. Por que não sonhar… não quero dizer que ela pode ser um substituto do trigo, mas pode ser um complemento para esse trigo que vem causando tantas alergias.

P: O trabalho dos chefs vai além da cozinha. Qual deve ser seu papel hoje?

Acredito que o primeiro papel de um chef tem que ser o que ele se propôs fazer um dia: fazer comida deliciosa. Depois, o chef talvez seja hoje a voz mais forte da cadeia alimentar, e ele pode usar essa voz.

P: Como você pretende usar a sua?

Estou tentando descobrir ainda. Acho que para fazer uma comida deliciosa e dar valor a ingredientes que não tinham valor.