A cidade bávara de Gundremmingen se orgulha tanto de sua usina nuclear que seu brasão contempla um átomo gigante dourado.

Mas a mudança está chegando à cidade, com o iminente fechamento de sua usina de acordo com a política de transição energética da Alemanha.

A casa de seu ex-prefeito, Wolfgang Mayer, tem vista para o imponente complexo com suas duas torres de resfriamento de 160 metros, mais altas do que os pináculos da Catedral de Colônia.

A usina ainda gera 10 bilhões de kWh de eletricidade ao ano, embora partes dela já tenham sido desativadas. O volume é suficiente para abastecer toda a região metropolitana de Munique.

A central será descomissionada em 31 de dezembro de 2021, juntamente com outras duas no norte da Alemanha.

Até o fim de 2022, a Alemanha terá alcançado seu objetivo de eliminação completa da energia nuclear, estabelecido pela chanceler Angela Merkel em 30 de maio de 2011, no rastro do desastre em Fukushima.

O plano representou uma mudança dramática de curso para os aliados conservadores de Merkel, que apenas alguns meses antes tinham concordado em estender a vida útil das usinas mais antigas da Alemanha.

Mas obteve apoio público maciço em um país com um poderoso movimento antinuclear, primeiro alimentado pelo temor de um conflito durante a Guerra Fria e depois por desastres como o de Chernobyl.

– Como a igreja da cidade –

Em Gundremmingen, no entanto, a decisão foi um remédio amargo.

A usina nuclear é “tão parte da cidade quanto a igreja” e a sensação é de que “algo está morrendo”, afirmou Gerlinde Hutter, proprietária de uma hospedaria local.

Segundo Meyer, serão necessários ao menos 50 anos para remover todo o material radioativo do local depois que a usina for descomissionada.

O governo alemão ainda busca um local para o armazenamento a longo prazo do lixo nuclear residual do país.

Gundremmingen não é a única moradora da cidade a enfrentar grandes mudanças, à medida que o país avança para implementar sua estratégia de transição energética.

As renováveis têm tido um crescimento espetacular desde 2011 e em 2020 compuseram até mais de 50% da matriz energética do país pela primeira vez, segundo o instituto de pesquisas Fraunhofer em comparação com menos de 25% dez anos atrás.

O declínio da importância da energia nuclear (12,5% em 2020) “foi compensado pela expansão das energias renováveis”, disse à AFP Claudia Kemfert, especialista em energia no instituto de pesquisas econômicas DIW.

As usinas nucleares não foram substituídas pelo carvão, embora o combustível fóssil ainda represente quase um quarto da matriz energética alemã.

– O dilema do gás –

De fato, a eliminação da energia nuclear se somou a outro plano, anunciado em 2019, de fechar todas as usinas térmicas a carvão na Alemanha até 2038.

Isto representa um desafio em particular para o país, que se mantém como o líder mundial na produção de lignito (carvão fóssil).

A mineração do carvão marrom, que é altamente poluente, continua a provocar a destruição de cidades no oeste do país a fim de expandir gigantescas minas a céu aberto.

Se a Alemanha quiser se livrar do lignito, as fontes renováveis como eólica, solar, biomassa e hidrelétrica terão que alcançar 65% da matriz energética até 2030.

No entanto, o país, que há anos esteve na vanguarda da energia gerada pelo vento na Europa, instalou apenas 1,65 gigawatts (GW) de fazendas eólicas no ano passado – o menor nível em uma década, segundo o grupo de defesa do setor WindEurope.

Para alcançar as metas do governo, a Alemanha teria que adicionar 9,8 GW de energia solar e 5,9 GW de eólica onshore ao ano, segundo Kemfert.

Mas o desenvolvimento de novas áreas para a produção de energia eólica e fotovoltaica é complexo, com projetos que enfrentam com frequência a resistência de moradores locais e o risco de danos à paisagem.

E a menos que o armazenamento e a distribuição possam ser implementadas através das chamadas usinas virtuais, estas novas formas de energia não têm a mesma estabilidade das térmicas e nucleares.

Para assegurar o abastecimento, a Alemanha poderia, portanto, ser tentada a construir mais usinas térmicas a gás.

Mas isso poderia reforçar sua dependência da Rússia, como ilustrado pela polêmica sobre a construção do gasoduto Nord Stream 2.

Uma usina térmica a gás já está em funcionamento na cidade de Leipheim, vizinha a Gundremmingen.