A Alemanha e a França têm enfrentado duas grandes instabilidades políticas e econômicas internamente, nos meses finais de 2024. Ambos os governos sofrem com repressão popular e dificuldades financeiras que preocupam a União Europeia (UE).
A falha no sistema político alemão
Nos últimos anos, o governo alemão foi formado por uma forte coalizão, apelidada de semáforo – pela junção das três cores que representam os partidos. Composta pelo Partido Social Democrata (SPD), Partido Democrata Liberal (FDP) e o Partido Verde (Aliança 90), a aliança sempre foi vista como instável, por reunir dois partidos da centro-esquerda (SPD e Verdes) e um da centro-direita (FDP).
Nos planos prévios sobre direitos humanos e política externa os partidos concordavam na maioria das decisões, mas nos assuntos econômicos e administrativos as divergências se tornaram claras – o SPD e os Verdes focam em investimentos públicos, enquanto o ministro da economia se opunha.
A partir de 2022, a economia alemã entrou em queda numericamente e popularmente. A tomada de decisões do governo de Berlim às sanções econômicas contra a Rússia e o apoio militar e financeiro à Ucrânia provocaram o corte imediato de do gás russo e aumento nos preços dos insumos agrícolas, como fertilizantes e o óleo de girassol.
A convergência de tantos problemas gerou inflação exponencial, queda da qualidade de vida da população, fechamento de indústrias, aumento das taxas de desemprego, queda no consumo interno e descontentamento constante da comunidade.
“A saída da Angela Merkel, primeira e única chanceler, acabou enfraquecendo o papel do primeiro-ministro e da política alemã, ainda mais com a seção de partidos de extrema-direita. É difícil separar as questões políticas e as questões econômicas, já que hoje em dia elas acabam se influenciando totalmente. A comunidade alemã também já é envelhecida, a população europeia em geral não tem mais tantos jovens, o que acaba desaquecendo a economia”, explicou Demetrius Cesário Pereira, doutor em política europeia.
Na maioria das pesquisas, a popularidade do gerenciamento atual despencou, abrindo espaço para que partidos de extrema-direita ganhassem apoiadores fiéis. Atualmente, a União Democrata Cristã ocupa o primeiro lugar, seguido pelo AfD (Alternativa para a Alemanha) e o SPD, respectivamente. As novas eleições foram oficialmente convocadas para o fim de fevereiro, o evento pode potencialmente mudar a trajetória da maior economia europeia, agravando ou superando a crise.
A quebra da ligação política
O colapso da coalizão aconteceu bem no momento em que a população alemã já tem que lidar com salários menores e preços de consumo mais caros – a crise política se somou à crise econômica na nação conhecida como “motor da Europa”.
Desde o início do segundo semestre de 2024, políticos e eleitores demandam que o primeiro-ministro, Olaf Scholz, antecipe as eleições. O descontentamento explodiu depois do fim da parceria que sustentava o primeiro-ministro no poder desde 2021, e cerca de 65% da população alemã defende eleições imediatas, com a intenção de renovar o controle do governo.
Em novembro deste ano, Scholz sugeriu realizar um voto de confiança no Parlamento em janeiro de 2025. Se ele for derrotado, as novas eleições devem ser convocadas até março do próximo ano. Contudo, o principal membro da oposição, Friedrich Merz, foi contra a decisão do primeiro-ministro, afirmando que a primeira votação deveria acontecer na segunda semana de novembro, e as eleições gerais, em janeiro.
No dia 6 do mesmo mês, Scholz demitiu o ministro das finanças, Christian Lindner, do Partido Liberal Democrático, gerando a maior revolta até então. Lindner havia proposto uma reforma com cortes de impostos e aumentos de benefícios sociais, que foram rejeitados pelos outros dois partidos. Depois das primeiras instabilidades, o ministro da economia, Robert Habeck, do Partido Verde, se lançou como candidato à substituição do primeiro-ministro.
A eleição de Donald Trump também potencializou o declínio europeu, o novo temor das potências europeias é o início de uma guerra comercial entre o continente, a China e os Estado Unidos, enquanto suas armas principais estejam em desequilíbrio interno.
A ebulição no gerenciamento da França
No berço dos direitos humanos, a queda do primeiro-ministro, Michel Barnier, no início de novembro inflamou a crise interna e descontentamento da população.
Barnier usou um mecanismo constitucional controverso para burlar o Parlamento e conseguir a aprovação de uma lei orçamentária, que visava um corte de 60 bilhões de euros. Por essa ação, o político enfrentou duas moções de censura na Assembleia Nacional que o destituíram – para que fossem aprovadas eram necessários 289 votos de 577 deputados, foram conquistadas 331 aprovações.
A França enfrenta a segunda crise política no espaço de seis meses, mas neste novo caso as barreiras ligadas à maior concessionária de energia, EDF, a divisão política interna e as críticas ao presidente, Emmanuel Macron, protagonizam a situação.
A EDF passou a ser totalmente controlada pelo Estado em 2022, além de administrar as usinas nucleares – que fornecem aproximadamente 70% da energia do país – a companhia é responsável por todo processo de exportação para o resto do bloco. O empecilho energético mora nas diversas dívidas que a empresa têm, o premiê de Macron tentou controlar a situação, mas teve forte resposta negativa dos opositores do presidente.
Como resultado, o déficit do Produto Interno Bruto (PIB) chegou a atingir 6,2%, representando o pior desequilíbrio fiscal da zona do euro.
Com a revolta da comunidade e os partidos nacionalistas ameaçando depor ou negligenciar qualquer político que Macron eleja para o cargo, o principal risco é que medidas para resolver a instabilidade energética sejam postergadas pela pressão interna.
O fortalecimento do discurso de Marine Le Pen, do partido de direita Reagrupamento Nacional, e a impossibilidade de novas eleições legislativas até o meio de 2025, abrem portas para os ideias extremistas evoluam no continente.
“Em tese, o cargo do Macron não está ameaçado, a ameaça ali é do cargo de primeiro-ministro, o que se aproxima da questão da Alemanha. O problema da polarização política e da seção da extrema-direita, acaba afetando politicamente os dois países”, disse o especialista.
Assim como a Alemanha, a nação francesa tem se fechado para lidar com problemas internos, preocupando o resto de seu bloco econômico. A queda de outro “motor” compromete a imagem da Europa e possibilita uma grande alteração no sistema político global.
Os impactos sofridos pela União Europeia (UE)
O aumento de confrontos internos na europa acontece no pior momento global. A principal faceta que sofre com os danos das potências europeias é o apoio direto à Ucrânia na guerra contra a Rússia – fato que também corre riscos com o novo mandato de Donald Trump. A principal questão é a perda de foco no conflito do leste europeu, já que os alemães e franceses estão totalmente voltados para seus problemas internos. A ausência de uma liderança forte do bloco caminha para uma estagnação generalizada do bloco econômico.
Um dos últimos relatórios da Comissão Europeia indicou que o Produto Interno Bruto (PIB) do país alemão deve ceder cerca de 0,1% até o fim de 2024 – caso que acontece pelo segundo ano consecutivo, já que em 2023 ele retraiu 0,3%. Para 2025, a taxa deve progredir 0,7%, aumento que não representa grande avanço.
A crise econômica da Alemanha preocupa a Europa inteira, a Itália por exemplo vende muitos de seus produtos para o país vizinho – máquinas, vinhos e massas – temendo uma queda significativa de seu consumo.
Apesar da tensão financeira francesa não ser sua principal questão, a ameaça ao mercado energético do bloco é o causador de temores da comunidade. Os problemas internos em relação à EDF podem alterar todo o modelo de exportação do bloco econômico, já que nenhum dos outros países consegue fornecer a quantidade de eletricidade que a nação produz em custo tão baixo.
No cenário geopolítico, os líderes do continente tendem a enfrentar problemas com a promessa de Donald Trump impor tarifas de 10% sobre os produtos do bloco – implementando uma grande mudança de custos para os grandes exportadores. do outro lado do conjunto, a relação cada vez mais fria com a China e a contínua ameaça Russa tendem a evidenciar a urgência de suas força armadas desprotegidas.
Além da Inglaterra, a França é a única potência militar que o bloco possui, sua fraqueza interna diante o resto da sociedade, indica um despreparo para os avanços de conflitos ao seu redor – como a expansão de Rússia x Ucrânia.
“Essas crises podem afetar o globo inteiro, já que atualmente tudo é bastante integrado, interdependente. Vemos a diminuição da distância, as evoluções dos meios de comunicação, transporte, etc, afetando não só a Europa, mas o mundo. A ascensão da extrema direita, por exemplo, não ocorre só na França e na Alemanha, ela é um fenômeno globalizado. Alguns analistas relacionam com a ascensão do Trump agora nos Estados Unidos, ou até mesmo com o Bolsonaro eleito no Brasil e o Milei na Argentina”, disse Demetrius.
A falta de uma frente única no Estado francês e na República germânica também impulsionam a instabilidade da União Europeia perante as outras potências. Até que o novo premiê de Macron seja aprovado pela assembleia e uma coalizão estável assuma o controle, o grupo europeu segue desalinhado, enfraquecido e sujeito ao descontentamento da própria comunidade.