18/11/2024 - 18:31
País enfrenta escassez de mão de obra e déficit de vagas em jardins de infância. Um estabelecimento em Colônia adotou modelo bilíngue para solucionar problema.Em uma manhã cinzenta de novembro na cidade alemã de Colônia, duas dúzias de crianças, entre 2 e 6 anos, cantam Sol solecito caliéntame un poquito em um jardim de infância. Poucas delas sabem realmente falar espanhol, mas elas aprendem o idioma na creche bilíngue.
"Não falamos o tempo todo em espanhol com as crianças, mas cantamos em espanhol e repetimos com frequência palavras como cadeira, mesa e prato. Assim elas aprendem a língua brincando", conta a pedagoga boliviana Jessica Roja Flores, que há dois anos se mudou da Espanha para a Alemanha. "As crianças também são muito empáticas comigo e falam devagar, quando eu não entendo logo algo."
Diversos cartazes com palavras em espanhol estão pendurados nas paredes. Pais e crianças se cumprimentam com "buenos días" e se despendem com "adiós". É uma situação onde todos saem ganhando: crianças aprendem espanhol e as pedagogas que acabaram de chegar à Alemanha aprendem alemão por meio do cotidiano do jardim de infância.
"Alguns pais me falaram que estão orgulhosos pois os filhos podem contar em espanhol e conhecem algumas palavras", afirma a espanhola Carmen Casares Naranjo. "O que torna o conceito bilíngue especial é que as crianças são preparadas para a vida e para o cotidiano, pois precisam desenvolver estratégias para situações quando talvez não entendam outras pessoas", acrescenta.
Cynthia Malca-Buchholz impulsionou o conceito bilíngue em 2013, ao qual o Fröbel, grupo responsável pelo jardim de infância, aderiu. A vice-diretora do local conta, porém, que ela ainda precisa tranquilizar alguns pais que se preocupam que as crianças fiquem sobrecarregadas com um segundo idioma. Ela diz a eles que é oposto: o multilinguismo abrirá portas.
O modelo tem atraído potenciais trabalhadores qualificados da Espanha. Malca-Buchholz acaba de receber mais uma candidatura de emprego. Mas isso significa que a Alemanha está retirando trabalhadores qualificados de países que também necessitam deles?
"Não. Muitos dos pedagogos da Espanha e da América Latina não conseguem trabalho na área. Aqui na Alemanha, eles têm a chance de atuar na área na qual são formados", afirma Malca-Buchholz.
Escassez de mão de obra qualificada
A contratação de mão de obra qualificada no exterior pode ser um dos meios para solucionar a crise dos jardins de infância na Alemanha. Atualmente, faltam 430 mil vagas em creches no país. Uma pesquisa do Paritätischer Gesamtverband, uma associação de organizações dedicadas a promover a igualdade na sociedade, estimou o déficit de funcionários em creches de todo o país em 125 mil – uma média de dois pedagogos por estabelecimento.
A escassez atinge principalmente o lado ocidental da Alemanha. Jardins de infância na Renânia do Norte-Vestfália, estado mais populoso do país, foram obrigados a reduzir os serviços 3,6 mil vezes em setembro – um número recorde. E isso ocorreu antes do início da temporada habitual de gripes e resfriados.
Com a redução dos serviços, os pais precisam buscar os filhos mais cedo ou as crianças são reunidas em grupos maiores. No pior dos cenários, a creche pode ficar fechada.
"Temos há mais de dez anos o direito legal a uma vaga em creche para menores de três anos. Se eu tenho o direito legal, então devo ser capaz de fornecer uma vaga para todas as crianças", afirma Wido Geis-Thöne, especialistas em política familiar do Instituto da Economia Alemã.
A crise dos jardins de infância também tem prejudicado a economia alemã. Um estudo recente da agência de recrutamento Stepstone estimou esses danos em 23 bilhões de euros (R$ 139 bilhões) devido às aproximadamente 1,2 bilhão de horas de trabalho não preenchidas por ano. Algumas empresas passaram a reduzir a jornada dos funcionários ou estão demitindo devido à falta de opção para o cuidado infantil.
Segundo Geis-Thönes, esse é um problema histórico que atinge principalmente os estados da antiga Alemanha Ocidental. "Na antiga República Federal da Alemanha, a regra foi por muito tempo não institucionalizar o cuidado infantil. Por outro lado, na Alemanha Orientalforam estabelecidas as opções de cuidado para que as mulheres tivessem a possibilidade de trabalhar. Por isso, o Leste forneceu tradicionalmente melhores opções de cuidado infantil, enquanto o Oeste foi expandindo gradualmente", explica.
Petição recorde
Katja Ross cansou de observar a crise dos jardins de infância de braços cruzados. A pedagoga de Rostock iniciou uma petição chamada "Cada Criança Conta", que já reuniu mais de 220 mil assinaturas, e é o maior movimento para melhorias no setor da Alemanha.
A campanha pede melhores condições de trabalho na educação infantil, o que inclui mais especialistas em desenvolvimento da linguagem e inclusão e padrões mínimos vinculativos para a equipe, além da ampliação das vagas em creches.
Mas Ross diz não acreditar que os 4 bilhões de euros destinados pelo governo federal por meio da Lei de Qualidade do Jardim de Infância para os próximo dois anos serão suficientes para alcançar essas metas.
A situação é tão crítica que a pedagoga disse à DW que, quando chega ao jardim de infância na manhã para trabalhar, torce para que "ao menos metade dos colegas estejam lá".
"Somos a primeira instituição educacional que as crianças frequentam, tudo que vem depois se baseia na creche. O que as crianças não aprendem até os seis anos são noções básicas muito difíceis de se recuperar na escola", afirma.
"Cada euro investido em educação infantil retorna quatro vezes mais a longo prazo. Crianças que são bem apoiadas em creches têm mais chances de atingir um nível mais alto de educação, o que impacta em fundos de pensão. Mas para isso é necessário políticos corajosos que deem o primeiro passo e pensem para além do período da legislatura", diz Ross.