Além do humor: Rodrigo Fagundes se consagra como ator de novela também no drama

Artista se despede de seu personagem Gigi, de ‘Volta por Cima', folhetim onde ele explorou seu talento da tragédia à comédia

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Rodrigo Fagundes. Foto: Divulgação.

O ator Rodrigo Fagundes se despede, neste final de semana, de seu personagem Gilberto Góis de Macedo, o Gigi de “Volta Por Cima”, cujo capítulo final vai ao ar no próximo sábado, 26, contrariando o que manda a tradição em novelas: último capítulo às sextas e reprise aos sábado. 

No folhetim de Claudia Souto, o artista mostrou seu talento da tragédia à comédia e pôde explorar o que ele sabe fazer de melhor: atuar. Em bate-papo exclusivo com IstoÉ Gente, Fagundes contou que sempre sonhou em fazer novelas, mas acabou, quase por acaso, construindo história na comédia.

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“E eu tentava fazer novela, mas eu não conseguia porque eu já estava no ‘Zorra [Total]’. Naquela época tudo era assim: ‘ah, é porque você está marcado, você está queimado’. Eu já ouvi muito isso. Queimado! Olha isso. Eu não fui desistindo”, contou ao relembrar a resistência que encontrou no caminho até se consagrar como um ator de novelas.

O artista ganhou fama por meio do icônico Patrick do extinto “Zorra Total”, que ia ao ar nas noites de sábado na TV Globo, humorístico onde o personagem foi estrela de 2005 a 2014 com seus inesquecíveis bordões “Olha a faca”, “Não sabe brincar, não desce para o play” e “Mexe com quem tá quieto”.

Tudo começou quando, após se formar em uma escola de atores e encontrar dificuldade em conseguir papéis na TV, ele e outros colegas montaram a peça teatral “Surto” na qual eles transformaram o drama da falta de oportunidades em comédia. Patrick caiu nas graças do diretor Maurício Sherman, que viu a peça e o levou para o humorístico.

Hoje, aos 52 anos de idade – sendo 23 dedicados à atuação -, o mineiro que saiu de Juiz de Fora e estudou teatro no Rio de Janeiro mostra que tragédia também pode ser a sua marca. Sua estreia em novelas foi em 2015 com “Babilônia”, de Gilberto Braga (1945-2021), exibida no horário nobre da Globo.

“Quando mudou o ‘Zorra Total’ para o ‘Zorra’, me demitiram, e uma semana depois o André Reis, produtor de elenco de ‘Babilônia’ me ligou falando que é um personagem que é pequeno. Eu falei ‘eu quero, eu quero’. Eu estava tão arrasado, foi em 2015. Eu perdi a minha avó, uma semana depois eu perdi o meu pai, e quinze dias depois eu perdi o meu contrato longo com a Globo. Então, foi um ano de mudanças. Só que aí, no ano seguinte, eu fui contratado já por obras, eu fui fazer ‘Babilônia’. E eu tava feliz porque eu estava trabalhando e ia fazer uma novela”, relembrou.

De lá para cá, o artista acumulou quatro novelas no currículo, porém não sem encontrar resistência em ser aceito para folhetins. Ele revelou que chegou a ser impedido de participar de testes de elenco por conta de sua orientação sexual, como se, para ele, fosse impossível assumir papéis de hétero.

“Eu ainda era colocado na caixinha, o personagem bi, o gay. Uma vez eu escutei, uma pessoa lá que era produtora de elenco. Eu liguei e falei: ‘Ah, eu quero fazer o teste de elenco para essa novela’. ‘Ah, não tem bicha para você fazer’. Isso muito tempo atrás. E eu fiquei muito triste, desabafou ele.

“Tudo bem, eu fazer bicha, adoro, gosto. Tem vários tipo de bicha. Eu ‘tô’ usando ‘bicha’ porque foi o termo que falaram comigo. Personagens gays, existem vários tipos de gays. E tudo bem. E se for um personagem interessante, eu faço, como o Gigi agora, que é uma delícia de fazer. Ele é muita coisa, inclusive gay”, destaca Fagundes.

“Então, assim, eu ouvia muito isso lá atrás, né, porque eu vinha do “Zorra” [Total], um personagem que eles falavam que era caricato, que eu estava fadado a ficar ali naquele mundo que chamam de ‘linha de show’. E tudo bem se eu tivesse ficado, eu me divertia muito, eu aprendi muito, conheci muita gente bacana”, pondera ele.

A insistência valeu a pena. Após a primeira participação em folhetins, o ator experimentou personagens diferentes daquele ao qual o público estava acostumado e foi sucesso em novelas das 7, horário considerado “intermediário”. Foi o olhar sensível e apurado da autora que permitiu essa mudança de chave. Na primeira parceria, em “Pega-Pega” (2017), ele deu vida a Nelito, um personagem hétero, como ele havia sido desacreditado de que  poderia fazer.

“Eu queria fazer a dramaturgia. E graças a Deus, graças muito a Claudia Souto por ter acreditado em mim e dali ter me apresentado a tanta gente bacana. Uma oportunidade linda em ‘Pega-Pega”’, né, e outras duas mais, que foram “Cara e Coragem” (2022) e nessa agora, e eu fico muito feliz, assim, de fazer personagens tão diferente, né, e com uma autora que acredita em mim, que eu conheci no ‘Zorra Total’, que era minha redatora, lá em 2007”, relembra.

Questionado se “Volta por Cima” veio para coroar a luta em se tornar um ator de novelas, já que, além da comédia, o folhetim explorou também seu lado trágico, o ator parou por um instante para refletir.

“Eu nunca tinha pensado nisso, mas, sim. A resposta é ‘sim’ com todas as letras maiúsculas. Com certeza é para celebrar muito, senti que vale a pena, mesmo. Ter ouvido tanta coisa para correr atrás, e olha onde a vida me trouxe. Eu celebro, eu agradeço e ‘Volta por Cima’ vai ficar muito no meu coração. Compensou”, avaliou.

“E estar experimentando cenas dramáticas nessa novela agora, eu experimentei muitas cenas dramáticas que eu amei fazer. O perdão da Belisa, a relação com Bernardo”, disse ele sobre os personagens de Betty Faria e Bruno Fagundes.

Sucesso das 19h

“Volta por Cima” já começou como um sucesso da Globo e surpreendeu Rodrigo Fagundes. Ele contou que chamou atenção como Gigi logo após os primeiros capítulos.

“Eu fico chocado. Na primeira semana eu fui ao programa da Patrícia Poeta, ‘Encontro’, e as pessoas já falavam comigo. No avião: ‘ah, a família falida’, me deram biscoitinho para levar para a família. Foi muito rápido, e o Gigi é um personagem muito carismático, apesar de ele fazer muita coisa errada também”, analisou.

“As pessoas, às vezes, ficam com ódio de odiá-lo, pena de ter raiva, porque às vezes ele faz muita coisa errada. Ele é mimado, ele é um cara meio intransigente, livre com a vida, com a sexualidade dele. Então, isso é para o bem e para o mal essa coisa mimada dele. E ele teve uma evolução muito legal, ele foi trabalhar, se apaixonou, essa relação de descobrir uma família diferente do que ela achava que era, essa configuração mudou. Tem o pai, a irmã que é mãe”, refletiu.

Para o ator, o reconhecimento se deve a identificação que o público encontra em tantas abordagens importantes que a novela fez.

“Eu li outro dia que o Jack Nicholson descobriu que a irmã dele mais velha era a mãe dele. Então, assim, isso acontece mais do que a gente imagina, não é uma coisa de novela, é uma coisa da vida”, observou.

A representatividade é uma característica forte do folhetim, que levou para dentro da casa do espectador conflitos comuns do cotidiano, além de informação.

“É uma novela que tem tanta representatividade também. O protagonismo preto, os amarelos, o amor na terceira idade, José de Abreu com a Betty Faria, tem três personagens gays na novela, muito diferentes uns dos outros, ela engloba, fala sobre anabolizantes, a gente fala sobre muita coisa. E não deixa de ser um entretenimento, mas além de tudo, ela informa”, disse Fagundes, que se diverte ao receber o carinho do público.

Outra coisa muito legal da novela é que a gente não fala só sobre racismo o tempo inteiro. Que é uma pauta que propriamente a gente não quer falar só sobre nossas lutas. Geralmente, os personagens pretos na novela, ou eles não têm visibilidade, ou eles são empregados ou eles têm problemas com a cor da pele. E nessa, não”, observou o ator.

“Tem a Miranda (Gabriela Dias), que é a personal trainer, que é vilã, a Tati (Bia Santana), que é irmã da Madá, que é uma “Maria de Fatimazinha”. Mas, aí tem a Madá (Jéssica Ellen), que é a heroína, tem a Cida (Juliana Alves), o Jão (Fabricio Boliveira), que é um herói, lidando com problemas cotidianos, que é isso que a gente quer, é normalizar as situações”, comemorou Fagundes, que acredita no poder informativo da teledramaturgia.

“No caso do meu personagem, o personagem do Bruno [Fagundes], normalizar os afetos, sabe, a gente tem que chegar num ponto, gente, que… todo mundo tem problemas, nós somos todos diferentes e é isso que faz da gente interessante. Uma novela, que é uma TV aberta, que chega para tanta gente. É uma delícia, é um triunfo. Eu recebo mensagens de muitos garotos gays novinhos que estão vendo a novela junto com o pai e com a mãe”, comemorou o ator.

Gigi X Rodrigo Fagundes

O que o Gigi tem do Rodrigo e o que o Rodrigo aprendeu com Gigi? É difícil não levar um pouco de si para um papel e, mais ainda, não aprender com a trama uma lição de vida, assim como acontece com o público. E para o ator não foi diferente. A troca entre intérprete e personagem garantiu uma pitada a mais na atuação, e proporcionou exemplos que Rodrigo assimilou.

“Eu acho que eu peguei do Gigi foi uma certa coragem para resolver uns ‘B.O.s’ que, provavelmente, eu deixaria para lá. Eu não sou muito do embate, do conflito, mas o Gigi me deu tanta coragem. Eu acho ele tão corajoso, tão livre, que eu me peguei exercendo a função. Essa coragem eu levo para mim. O que o Gigi tem do Rodrigo pode ser o humor. Eu levei muito do meu humor”, disse.

Escrita por Claudia Souto, “Volta por Cima” teve sua estreia em 30 de setembro de 2024 e chega ao final no próximo sábado, 26, fazendo parte das comemorações pelos 60 anos da Globo, que será celebrado ao longo do final de semana. A emissora vai realizar uma programação especial de 60 horas para comemorar a data.