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Imagine um mundo sem dinheiro físico, sem bancos, com transações financeiras feitas sem intermediários. Esse é o universo do bitcoin – moeda virtual que ganhou atenção depois do ciberataque deste mês, em que hackers sequestraram dados de computadores e pediram o resgate nessa moeda.

Apesar do alarde, a moeda digital ganha, a cada dia, mais adeptos. O primeiro passo para usá-la é se cadastrar em alguns dos sites que oferecem o serviço na internet. Depois, criar uma conta com o código pessoal criptografado. O passo seguinte é comprar a moeda digital.

Apesar de o dinheiro ser virtual, essa realidade é concreta para Caio Fischer, de 38 anos. O empregado público conta que ouviu falar em bitcoin a primeira vez na própria internet, numa página sobre economia. “Tinha dinheiro guardado, mas não conhecia direito o que era a moeda digital. Investi R$ 500 e, em seis meses, tive uma rentabilidade de quase 100%”, lembra.

Já a estudante Juliana Santos, de 28 anos, usa o bitcoin para transações internacionais. “Facilita muito a minha vida: com a moeda digital, eu não pago IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] e taxa de câmbio do banco, por exemplo.”

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A moeda sofre variação diária. Ontem (24), a unidade do bitcoin estava em R$ 9.690. Devido ao alto custo, a maioria das pessoas prefere comprar frações de bitcoins.

Além de transferências e investimentos, muitas pessoas usam o bitcoin em transações comerciais. Nesse caso, dois códigos são gerados – um na carteira do comprador e outro na do vendedor. Após o cruzamento das informações constantes nesses códigos (feito pelos chamados “mineradores”), a autenticação é liberada. Esse processo dura cerca de 10 minutos.

De acordo com a professora de economia Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, da Universidade de Brasília (UnB), o bitcoin não tem o mesmo papel do dinheiro. Para a economista, o bitcoin assume a função da moeda ao fazer transações como meio de troca, entretanto, não é considerada uma boa reserva de valor. “As pessoas não detêm com facilidade o bitcoin em uma proporção em que se generalize a aceitação da moeda virtual como moeda comum ou uma moeda nacional”, defende.

A economista analisa o contexto do pagamento de salários que, segundo ela, são fundamentais no sistema capitalista. Como são feitos em dinheiro, o bitcoin passa a não ser fundamental para a sociedade.

O pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, Gabriel Aleixo, tem outra visão. Para ele, com o aumento do ceticismo das pessoas em relação aos meios financeiros tradicionais e a possibilidade de novas crises financeiras, a tendência é que o bitcoin cresça globalmente como meio de reserva de valor.

“Acredito que mais pessoas começarão a investir uma parte, mesmo que pequena, de suas poupanças e investimentos em bitcoins, como forma de preservar valor em algo independente do sistema tradicional, uma vez que essa moeda é imune a políticas monetárias ruins, já que tudo segue o rigor do código tal qual foi programado originalmente”, avalia.

Controle

A professora de economia Maria de Lourdes Rollemberg defende a necessidade do papel do Estado no controle da moeda para garanti-la e dar segurança aos usuários. Para ela, o bitcoin pode ter maior amplitude no futuro. Mesmo assim, segundo a economista, esse alcance não superaria ao das moedas nacionais, por exemplo.

“Uma moeda completa tem características que o bitcoin não consegue ter, em particular, o reconhecimento social generalizado que precisa possuir para que circule por todos os espaços. Na minha concepção, ele tem pouca chance de se tornar uma moeda efetiva”, avalia.

Gabriel Aleixo, entretanto, compartilha a ideia de que o bitcoin e outros ativos virtuais descentralizados são mais facilmente assimilados pelos “nativos digitais”, jovens que mantém contato com a internet desde a infância. Segundo o pesquisador, pensar numa forma de dinheiro que não se limite à tecnologia é algo ultrapassado para esses jovens.

“Não tenho dúvidas de que hoje, para um indivíduo de 15 anos, é muito mais simples aprender a usar bitcoins como meio de se pagar pelas coisas do que saber como navegar pela burocracia necessária para se abrir uma conta bancária tradicional”, afirma.


O pesquisador explica que todo código das aplicações de referência que integram o protocolo do bitcoin é 100% aberto, estando à disposição da fiscalização de qualquer pessoa. “Costumamos dizer que, no bitcoin, você é o banco. Isso traz liberdade e eficiência, uma vez que só você é capaz de mexer no seu dinheiro, estando imune a taxas de transferência abusivas, controle de capitais ou recusa a fazer transações para determinado usuário.”

Por outro lado, um dos fatores que faz com que moedas digitais passem a ser mais usadas, de acordo com Maria de Lourdes, é a tentativa de fugir do controle do Estado, no que diz respeito a pagamentos de taxas e impostos.

A estudante Juliana Santos diz não se sentir muito segura em transações com a moeda virtual. “O bitcoin é uma carteira; e, como carteira, eu posso perdê-la a qualquer momento”, observa. Mesmo assim, a estudante acredita que a moeda veio para ficar. “Acredito que haverá uma melhoria do bitcoin. Só desse modo poderá tomar um lugar de real destaque.”

Na opinião de Caio Fischer, os países não vão querer deixar de usar suas moedas oficiais, mas acredita que, em algum nível, a aceitação será inevitável – pelo menos no que se refere a compras realizadas pela internet. “Não acredito que o dinheiro físico vai parar de existir, mas a moeda digital veio para mexer com o sistema financeiro”, observa.

Exemplo disso é que o Brasil já tem profissionais e negócios dos mais variados campos trabalhando com bitcoin. A empresa de tecnologia Dell e a Microsoft já aceitam bitcoins como pagamento em alguns de seus mercados.

A moeda preferida dos hackers

No último dia 12 de maio, o mundo parou com a notícia de um ciberataque, que se tornou o maior da história. Após terem seus computadores atingidos, os usuários teriam 72 horas para pagar US$ 300 em bitcoin. Caso o pagamento não fosse efetuado, a ameaça era de perda total dos arquivos na máquina atingida.

A partir desse episódio, o mundo começou a ter o olhar mais atento para o bitcoin. A moeda digital tornou-se a favorita dos hackers pelo fato de que o resgate é difícil de ser rastreado. No episódio, entretanto, Marcus Hutchins, de 22 anos, conseguiu frear o ataque do vírus WannaCry do quarto de seus pais, em Ilfracombe, na Inglaterra.

Hutchins disse ter descoberto a forma de anular o ataque quando, ao analisar uma amostra do código do vírus, reparou que ele estava associado a um domínio desconhecido na internet. O jovem registou-se no endereço, ocasionando a ruptura imediata da propagação do WannaCry.

Embora o risco exista, na opinião de Caio, qualquer recurso está sujeito a isso. O empregado púbico está utilizando os serviços de uma corretora de bitcoin que traz, segundo ele, credibilidade para seu investimento. “O ataque de hackers, por exemplo, não me assusta. Apenas eu tenho o código das minhas moedas, mais ninguém.”

Para além das questões monetárias, os usuários podem proteger seus arquivos ao fazer backups em suas máquinas, um antivírus, além de utilizar uma navegação segura.

Desmaterialização


O mundo acompanhou, principalmente nas últimas décadas, processos de desmaterializações. Pilhas de discos de vinil e CDs se transformaram com o mp3 e, mais recentemente, com os serviços de streaming (transmissão digital multimídia). O mesmo ocorreu com o vídeo e outros meios, de tal modo que o único bem restante que faltava desmaterializar, segundo Aleixo, era o dinheiro.

De acordo com o pesquisador, muitos cientistas da computação acreditaram, por décadas, se tratar de algo impossível, uma vez que nos meios digitais tudo pode ser copiado e colado. “O bitcoin foi o primeiro protocolo a resolver o problema do gasto duplo, tornando possível reproduzir na internet a escassez do mundo físico, impedindo que o mesmo dinheiro seja gasto duas vezes”, afirma.

Entretanto, ainda não existe, segundo Aleixo, uma rede descentralizada capaz de dizer em que casos um usuário que pagou por algo em bitcoins merece ser estornado ou não, por exemplo. “Isso deve ser reconhecido, a fim de não sermos fatalistas a ponto de achar que tecnologias emergentes estão prontas para resolver tudo”, pondera.

Em dia com o Leão

Embora não sejam consideradas moedas nos termos do marco regulatório atual, as moedas virtuais começaram a ser declaradas no Imposto de Renda deste ano como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro.

Segundo o guia de perguntas e respostas da Receita Federal, as criptomoedas têm de ser declaradas pelo valor de aquisição. Como esse tipo de moeda não tem cotação oficial, uma vez que não há um órgão responsável pelo controle de sua emissão, não há uma regra legal de conversão dos valores para fins tributários. “Entretanto, essas operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea para fins de tributação”, afirma a instituição.

Bitcoin


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