Há gente querendo passar a ideia de que o levante imaginado pelo cantor Sérgio Reis, com fechamento das estradas que levam a Brasília e tomada do STF, é coisa de artista que vive nas nuvens. O próprio Sérgio Reis quis fazer de conta que tudo não passava de brincadeira, depois que o seu áudio golpista circulou publicamente.

Isso é lorota.

Sérgio Reis não jogou simplesmente uma ideia ao vento. Ele conspirou com duas dezenas de pessoas para pôr fogo no país.

Essa revelação estarrecedora consta do pedido de instauração de inquérito encaminhado ao STF pela Procuradoria Geral da República. Segundo o documento, Sérgio Reis e seus comparsas se reuniram em um hotel em São Paulo, no dia 27 de julho. Falaram da mobilização, de acomodações para manifestantes em Brasília e, a partir dali, começaram a alimentar as redes sociais com “mensagens, agressões e ameaças à Democracia, ao Estado de Direito e suas Instituições”.

Um parêntese: A petição é assinada pela subprocuradora geral Lindôra Araújo, cujas credenciais garantiriam entrada em qualquer clube de bolsonaristas. Nesta semana ela disse que não via comportamento criminoso nas aglomerações sem máscara promovidas pelo presidente, “pois não existe comprovação da eficácia da máscara de proteção”. Lindôra não hesitou em escrever essas palavras, mesmo sem ter formação para embasá-las e mesmo sabendo que elas não são corroboradas pela maioria esmagadora dos cientistas. Mesmo essa destemida subprocuradora, contudo, não viu como escapar das evidências no caso de Sérgio Reis e recomendou a abertura do inquérito.

Não há, portanto, razão para ficar com peninha porque a PF foi fazer busca e apreensão na casa do cantor autoritário.

Nem muito menos alegar, como fez Mario Frias, o anti-secretário federal de Cultura, que uma ação policial contra o Sérgio Reis “compromete a cultura nacional, pois não há cultura artística sem liberdade”.

Vinda de um integrante do governo Bolsonaro, essa declaração chega a ser ofensiva. O Executivo está repleto de gente que se recusa a admitir que o Brasil passou por uma ditadura militar – por um regime que, ele sim, prendeu, silenciou e censurou de maneira sistemática todos os tipos de artista. Como já argumentei aqui, a trigrada que pensa dessa maneira e ao mesmo tempo enche a boca para falar de liberdade, emporcalha essa palavra com o seu cinismo.

Mas há outro motivo por que as diligências contra Sérgio Reis não “comprometem a cultura nacional”. É que a política de uma pessoa não macula necessariamente a sua arte, assim como o talento artístico não enobrece a sua política.

Sei que essa é uma tese impopular, talvez até mesmo incompreensível para muita gente nos dias de hoje, seja qual for sua preferência ideológica. Na era dos cancelamentos, direitistas e esquerdistas não pensam duas vezes antes de riscar do mapa quem não reza pelas suas cartilhas.

Se querem empobrecer suas vidas, fiquem à vontade.

De minha parte, ainda quero ler os livros de Céline, que apoiou os nazistas. E ouvir as obras de Shostakovich, que ele bajulou Stalin. Não vou jogar fora os contos de Rubem Fonseca porque ele simpatizava com a ditadura militar. Nem desligar o rádio quando tocar Chico Buarque, porque ele finge que a roubalheira do PT nunca existiu.

Acho execrável a política de toda essa gente. Mas uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. São todos grandes artistas.

É importante que Sérgio Reis tenha sido exposto. Ele é um golpista. Que ainda tem uma bela voz.