Além de Madagascar: veja quais presidentes sofreram impeachment em 2025

No país insular africano, militares se juntaram a jovens manifestantes para oficializar destituição de chefe de Estado

Manifestantes em confronto com forças de segurança durante protestos em Antananarivo, Madagascar, em 11 de outubro de 2025
Manifestantes em confronto com forças de segurança durante protestos em Antananarivo, Madagascar, em 11 de outubro de 2025 Foto: AFP

Em um desdobramento de semanas de agitação social, o parlamento de Madagascar votou pelo impeachment do presidente Andry Rajoelina na terça-feira, 14 de outubro. A decisão mergulhou a nação africana em uma crise constitucional, culminando na tomada do poder por militares dissidentes.

  • Impeachment presidencial é o processo político e legal pelo qual o Poder Legislativo de um país formaliza uma acusação contra o chefe de Estado por crimes graves ou má conduta no cargo. É o primeiro passo para a remoção, que pode levar a um julgamento e à destituição definitiva do poder. 

A votação na Assembleia Nacional, com 130 votos a favor da destituição e apenas um voto em branco, ocorreu dois dias depois que o presidente Rajoelina deixou o país em meio a protestos intensos liderados por jovens. A crise, porém, começou a se intensificar ainda em setembro, com manifestações inicialmente motivadas pela escassez de água e energia elétrica.

As passeatas, conhecidas como “Protestos da Geração Z”, rapidamente evoluíram para um movimento mais amplo contra questão gerais do país, como corrupção, má governança e falta de serviços básicos, o que gerou significativa adesão popular.

Em uma tentativa de evitar sua destituição, Rajoelina emitiu um decreto dissolvendo a Assembleia Nacional horas antes da votação do impeachment. A medida, no entanto, foi ignorada pelos legisladores, que a consideraram inconstitucional. O líder da oposição e vice-presidente da Assembleia Nacional, Siteny Randrianasoloniaiko, contestou a validade do decreto, afirmando que o presidente da casa não havia sido consultado.

A partir de um local não revelado, Rajoelina se manifestou nas redes sociais, classificando a votação como “nula e sem efeito”. Ele se recusa a renunciar, insistindo que a tentativa de dissolver o parlamento era necessária “para restaurar a ordem”.

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Militares como catalisadores do impeachment

O ponto de virada do atrito em Madagascar foi a adesão de setores das forças armadas aos manifestantes da chamada “Geração Z”. A unidade de elite do exército, conhecida como CAPSAT – que foi instrumental na ascensão de Rajoelina ao poder em um golpe em 2009 – se voltou contra ele, aliando-se aos protestos.

Pouco após a aprovação do impeachment, o Coronel Michael Randrianirina, chefe da CAPSAT, anunciou na rádio nacional que os militares tinham “tomado o poder”. Ele declarou a dissolução de todas as instituições da república, com exceção da Câmara baixa do Parlamento, e a criação de um comitê militar para exercer as funções da presidência.

O paradeiro exato do então presidente permanece desconhecido. Relatos indicam que Rajoelina deixou Madagascar no dia 12 de outubro, a bordo de uma aeronave militar francesa. Em vídeo divulgado na segunda-feira, ele afirmou estar em um “lugar seguro” por temer por sua vida.

A crise atual é a mais grave desde 2009, quando o próprio Rajoelina – junto ao atuais opositores CAPSAT – liderou protestos que derrubaram o então presidente Marc Ravalomanana.

Relembre outros países que passaram por impeachment em 2025

Peru

Além de Madagascar: veja quais presidentes sofreram impeachment em 2025

A presidente do Peru, Dina Boluarte, gesticula durante entrevista coletiva no palácio de governo após prestar depoimento ao Ministério Público, em Lima, em 5 de abril de 2024 – AFP/Arquivos

Com seis presidentes desde 2018, o Peru enfrenta uma longa época de instabilidade política. A última mandatária, Dina Boluarte, assumiu o poder no final de 2022, quando Pedro Castillo foi destituído do cargo de presidente e preso por tentar dissolver o Congresso. Agora, Boluarte vê seu destino se assemelhar ao do aliado, com ao menos quatro pedidos de impeachment protocolados no Parlamento neste mês de outubro.

.As solicitações apontam “permanente incapacidade moral” da presidente para continuar no cargo, mantendo o tom de insatisfação apresentado nas manifestações populares dos últimos meses. A economia do país sulamericano é um dos principais catalisadores da oposição, que critica os gastos pessoais de Boluarte em detrimento da resolução da recessão financeira.

A suposta inação da líder diante do aumento do crime organizado, “omissão” na proteção de direitos fundamentais no país e acusações de corrupção marcam presença nos pedidos de impeachment. A destituição acontece próxima à eleição presidencial e fez com que líder do Parlamento peruano, José Jerí, assumisse o cargo temporariamente. Ele deve organizar eleições gerais e, segundo indica a legislação do país,
a votação para eleger o novo chefe de estado deve ocorrer em abril de 2026.

Coreia do Sul

Além de Madagascar: veja quais presidentes sofreram impeachment em 2025

O presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol – POOL/AFP/Arquivos

Em abril de 2025, o presidente da Coreia do Sul Yoon Suk Yeol teve o impeachment votado e oficializado unanimemente pela Corte Constitucional do país após decretar a chamada ”Lei Marcial” em dezembro de 2024.

A providência é utilizada apenas em momentos de crise extrema ou guerra e prevê imposição de leis militares, fechamento do parlamento e proibição de manifestações nas ruas. Quando decretada, a medida também reduz a liberdade de imprensa, que passa a ficar sob tutela governamental. Na ocasião, Yoon justificou a decisão sob o pretexto de interferência da Coreia do Norte dentro do país, mesmo que nunca tenha apresentado provas,.

Os oito juízes da Corte entenderam que o então mandatário deveria ser indiciado por insurreição, um dos poucos crimes que ultrapassa a imunidade presidencial. Apesar das punições para o crime incluírem prisão perpétua ou morte, Yoon apenas foi destituído. Após o impeachment, novas eleições foram convocadas e, em junho de 2025, o candidato de centro-esquerda Lee Jae-myung foi eleito.

Protagonismo da Geração Z

O levante em Madagascar não é caso isolado, mas sim um novo capítulo da onda de ativismo político encabeçado pela Geração Z. O movimento ecoa os recentes protestos no Nepal, onde uma revolta que iniciou como oposição à proibição de redes sociais acabou por derrubar o governo. Seguindo um padrão semelhante, jovens também tomaram as ruas de países como Indonésia e Bangladesh, pautando a agenda política com suas demandas.

Alguns especialistas já comparam a situação à Primavera Árabe, série de protestos em que transformou o Oriente Médio e o Norte da África no início da década de 2010 e que também foi capaz de derrubar governos.

“Em 16 anos, o presidente [de Madagascar] e seu governo não fizeram nada além de enriquecer enquanto o povo continua pobre. E os jovens, a geração Z, são os que mais sofrem”, disse Adrianarivony Fanomegantsoa, de 22 anos, à agência Reuters.