ROMA, 31 JUL (ANSA) – “É um exército de fantasmas. As pessoas saíam de casa de manhã e nunca mais voltavam. Nem mesmo os corpos foram encontrados novamente”. Segundo Giuliana Perrotta, comissária extraordinária do governo, é estimado que na Itália quase 60 mil pessoas estão desaparecidas. Pessoas como o físico Ettore Majorana, que sumiu misteriosamente na noite de 25 de março de 1938, aos 31 anos, e nunca mais reapareceu. Ou como o professor Federico Caffè, economista, que saiu de sua casa na Via Cadlolo, uma elegante rua de Monte Mário, no dia 15 de abril de 1987, e jamais voltou, fazem parte das estatísticas. Ao todo, 59.044 cidadãos desapareceram. A quantidade é a mesma que a de “habitantes de uma cidade de proporções médias, como Savona ou Matera”, explicou Perrotta ao jornal italiano “Libero Quotidiano”. De acordo com a comissária extraordinária do governo italiano para desaparecidos, de 1974 a 30 de junho de 2019, o número de pessoas que sumiram em todo território italiano era de 236.656.   

Deste total, cerca de 90 mil eram mulheres, das quais 85% foram localizadas, sendo 1,3% encontradas mortas. No geral, em relação aos registros, muitas pessoas já foram encontradas, mas ainda assim há um número muito elevado de pessoas a serem rastreadas. Dos 59.044 desaparecidos, 75% são menores, sendo a grande maioria estrangeiros, e 6% são idosos acima de 65 anos “com problemas psicológicos ou perda de memória”. Para Perrotta, o desaparecimento de estrangeiros está obviamente ligado ao fenômeno migratório e à remoção dos centros de acolhimento e refere-se ao período entre 2015 e 2017. “Eles são muitas vezes autointitulados menores porque não têm documentos”, explicou.   

Já em relação aos menores italianos, foram registrados mais de 350 casos nos últimos cinco anos (2014-2018). Em contrapartida, a maioria voltou para casa. Desde 1974, somente na Sicília 4821 pessoas desapareceram, sendo 2600 menores de idade. Nos últimos seis meses, dos 6761 casos relatados em todo o país, 419 eram crianças confiadas às instituições que fugiram, 34% mulheres e meninas e 6% idosos. Entre os desaparecidos, há pessoas de todas as classes sociais e envolvendo todo tipo de mistério e repercussão.   

Um dos casos mais emblemáticos na Itália e que voltou a estampar a capa dos principais jornais do mundo é o da jovem italiana Emanuela Orlandi, que desapareceu em 1983, aos 15 anos de idade, enquanto voltava para casa. Ela era filha de um funcionário da Santa Sé, cidadã do Vaticano e residia dentro dos muros do menor país do mundo. Até hoje não se sabe seu paradeiro.   

Diversas hipóteses já foram consideradas nas últimas décadas, desde crime comum até vingança contra o pai da jovem ou contra o Vaticano. O filme “A verdade está no céu”(2016), de Roberto Faenza, cogita que Orlandi tenha sido sequestrada por mafiosos e jogada em uma betoneira. Nenhuma das hipóteses, no entanto, foi confirmada pela Justiça. Nas últimas semanas, o Vaticano decidiu reabrir um túmulo onde, de acordo com uma denúncia anônima, a garota estaria enterrada.   

Abertos, os túmulos, porém, estavam vazios. O caso permanece sem solução assim como tantos outros. Em sua entrevista, Perrotta explica que “agora, com as novas técnicas que a ciência disponibilizou”, o governo italiano tenta resolver até mesmo os chamados “casos frios”, porque é possível reconhecer crianças sequestradas anos atrás e que hoje já são adultos. Devido ao número elevado de desaparecidos, a Itália chegou até a alterar parcialmente a lei e fazer um apelo para que as pessoas relatem o sumiço o mais rápido possível. “Você nunca deixa de procurar uma pessoa desaparecida”, ressaltou Perrotta, reforçando que é importante “comunicar imediatamente o desaparecimento de um parente, amigo, filho ou filha, dentro de 24 horas”. “Quanto mais cedo as buscas começarem, melhor”. (ANSA)