Além das tarifas de Trump: Hollywood está mesmo em declínio?

Número de filmes gravados nos EUA diminuiu, mas empresas americanas de streaming estão florescendo. Tarifas anunciadas por Trump trarão as produções de volta a Los Angeles?Quando Donald Trump anunciou que criaria uma tarifa de 100% sobre qualquer filme "produzido em terras estrangeiras", a indústria cinematográfica dos EUA, altamente globalizada, entrou em pânico.

As ações das principais empresas do setor, como Netflix e Disney, logo caíram. Investidores projetaram que haveria aumento nos custos se as produções não pudessem mais se beneficiar de locações baratas no exterior.

Nas últimas décadas, filmes e séries de TV americanos vêm fazendo uso de generosos incentivos fiscais para realizar as gravações na Europa, no Canadá ou na Austrália, o que deixou as locações em Hollywood comparativamente mais caras.

Além disso, a indústria do cinema e de conteúdo se descentralizou, com coproduções internacionais que compartilham recursos e obtêm financiamento em vários países.

Em Cannes, estrelas criticaram tarifas

Embora ainda não haja detalhes sobre as tarifas, como se serão aplicadas apenas a filmes ou também a séries de TV, o anúncio feito por Trump foi criticado no Festival de Cannes, realizado na semana passada.

O diretor americano Wes Anderson, que estava na cidade francesa para lançar seu novo filme, O Esquema Fenício, questionou com um tom irônico como as tarifas poderiam funcionar quando aplicadas à propriedade intelectual em vez de produtos físicos.

"Você pode reter o filme na alfândega? Ele não é enviado dessa forma", disse o cineasta em uma coletiva de imprensa.

O ator ganhador do Oscar Robert De Niro, que aceitou uma Palma de Ouro honorária em Cannes, também falou sobre as tarifas de Trump sobre filmes: "Não se pode colocar um preço na criatividade, mas aparentemente pode-se colocar uma tarifa sobre ela."

Enquanto isso, Vivek Ranjan Agnihotri, ator indiano, cineasta e astro de Bollywood, disse em redes sociais que uma tarifa de 100% sobre filmes estrangeiros poderia significar que "a indústria cinematográfica em dificuldades da Índia entrará em colapso total", considerando o tamanho do mercado americano.

A crise em Hollywood está sendo exagerada?

Na publicação na rede social Truth Social em que anunciou as tarifas sobre filmes, Trump disse que "a indústria cinematográfica dos Estados Unidos está morrendo rapidamente".

O número de filmagens realizadas em Hollywood diminuiu cerca de 34% nos últimos cinco anos, de acordo com a Film LA, uma publicação do setor cinematográfico.

Embora muitos trabalhadores do setor do cinema tenham perdido seus empregos como resultado disso, a desaceleração não se deve apenas aos incentivos para filmar em outros países. A pandemia, a desaceleração econômica global e uma greve de atores e roteiristas que durou meses em 2023 também atrapalharam a produção em Hollywood.

À medida que os orçamentos ficam mais apertados, filmes poderão não ser realizados sem coproduções que aproveitem os incentivos oferecidos fora dos EUA, diz Stephen Luby, professor de cinema na Victorian College of the Arts, na Austrália.

"Produções americanas que aproveitaram incentivos fiscais em lugares como a Austrália para fazer filmes no exterior o fizeram porque a produção dos filmes é mais barata dessa forma", afirma ele à DW. "Talvez eles não sejam feitos se não seguirem esse caminho."

Um exemplo: o ator e diretor Mel Gibson está aconselhando Trump sobre as tarifas e maneiras de "tornar Hollywood grande novamente", mas seu novo filme, A Ressurreição de Cristo, será filmado em Roma e no sul da Itália.

Os EUA registram um pequeno déficit comercial em conteúdo de entretenimento. Em 2023, foram 27,7 bilhões de dólares em importações e 24,3 bilhões em exportações.

Mas, de acordo com Jean Chalaby, professor de sociologia da Universidade de Londres, esse desequilíbrio é acentuado por empresas de streaming como a Netflix, que não exportam oficialmente conteúdo produzido nos EUA, como a série Stranger Things, mas o distribuem internacionalmente por meio de sua própria plataforma baseada nos EUA.

Por outro lado, séries de sucesso como Adolescência e Squid Game, adquiridas no exterior, são consideradas importações, mesmo que sejam ativos dos EUA que rendem à Netflix "centenas de milhões de dólares" em assinaturas, observou Chalaby em um artigo para o site The Conversation. Apesar do déficit comercial, "o setor de entretenimento sediado nos EUA nunca foi tão dominante globalmente."

Os EUA também continuam sendo o maior exportador de filmes e produções de TV do mundo, mesmo que Hollywood esteja enfrentando mais concorrência de outros centros de produção de conteúdo, como a Coreia do Sul.

"Se implementadas, essas tarifas certamente terão consequências de longo alcance para o setor de cinema e TV", concluiu Chalaby. "Mas é improvável que elas deixem alguém mais próspero."

EUA questionam regras da UE sobre audiovisual

Alguns setores da indústria cinematográfica americana apoiam a intenção de Trump de trazer as produções de volta aos EUA, inclusive o sindicato que representa os atores, o Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists.

A Motion Picture Association (MPA), que representa grandes empresas como Disney, Netflix, Paramount, Universal e Warner Bros, também concorda que mais conteúdo deve ser produzido nos EUA, e apoia o uso de incentivos fiscais para fortalecer as produções locais.

Em fevereiro, quando Trump começou a anunciar sua série de tarifas, ele criticou as regras do mercado cinematográfico da União Europeia (UE), onde as plataformas de streaming dos EUA são obrigadas a incluir pelo menos 30% de conteúdo europeu em sua programação nos países-membros do bloco. A MPA também questiona essas cotas.

De acordo com a Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual da UE (SCSA), os países-membros também podem exigir que empresas como a Netflix e a Disney sejam obrigadas a financiar produções locais – o que os gigantes do streaming tentaram evitar por meio de ações judiciais.

Outros em Hollywood questionaram a lógica das tarifas de Trump e sua disposição em efetivá-las. "A questão das tarifas não vai acontecer, certo? Esse homem muda de ideia 50 vezes", disse o diretor americano Richard Linklater em Cannes, na sessão de lançamento de seu filme Nouvelle Vague, gravado em Paris.

Mas, na mesma coletiva de imprensa, o debate sobre as tarifas de Trump levou a atriz Zoey Deutch, que estrela o filme de Linklater, a dizer que "seria bom fazer mais filmes em Los Angeles". "Acabei de fazer um filme lá e foi mágico."