O economista ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC) Aldo Mendes vê espaço para o Copom promover mais 1,50 ponto porcentual adicional de corte na Selic. “Acho que 11,75% é um bom número de Selic para o final do ano. Neste patamar o Copom pode cessar os cortes para avaliar o ambiente fiscal”, afirma.

De acordo com Mendes, há também muita coisa a ser discutida no âmbito da reforma tributária, como as leis complementares, por exemplo. E como não vai ser algo rápido, porque terão de ser acomodados muitos interesses antagônicos, seria melhor o BC interromper o ciclo de cortes no fim do ano.

Crítico da demora do BC para iniciar o ciclo de redução da Selic, Mendes admite ter sido pego de surpresa pela queda de 0,50 ponto porcentual. “Achei que a decisão pelo corte de meio ponto foi acertada e torcia por isso, mas pelas comunicações anteriores do BC eu achava que viria um corte de apenas 0,25 ponto porcentual”, confessa o economista, que fez parte do colegiado do BC entre os anos de 2009 e 2016.

O voto do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, pelo corte de 0,50 ponto foi, na avaliação do ex-diretor, uma boa saída para o BC estabelecer um pouco de paz com o Palácio do Planalto.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Broadcast( sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado):

Na contramão da maioria dos agentes do mercado, que esperava um corte de 0,25 ponto da Selic, o Copom cortou 0,50 pp. Foi uma decisão acertada?

Confesso que também fui surpreendido. Embora achasse melhor 0,50 ponto, achava que viria 0,25 ponto por causa das comunicações anteriores do BC. Foi surpreendente também porque não me lembro de um placar de 5 a 4 e porque os diretores mais próximos do mercado votaram pelo corte de 0,25 pp.

Como o senhor interpretou o voto do presidente do BC, Roberto Campos Neto, pelo corte de 0,50 ponto porcentual, junto com os novo diretores Ailton Aquino (Fiscalização) e Gabriel Galipolo (Política Monetária), ambos indicados pelo presidente Lula?

Foi uma boa saída do presidente Roberto Campos Neto para estabelecer um pouco de paz com o Palácio do Planalto. O [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad tem feito um belo trabalho de articulação e o Campos Neto demonstrou que quer fazer parte desta articulação. A surpresa veio do fato de que Campos Neto indicava que manteria a rigidez.

O comunicado indica que a política monetária permanece contracionista, mas sinalizou para outro corte de 0,50 ponto. Cortes de 0,25 pp não reforçariam melhor esta mensagem?

Interessante que foram 5 votos por 0,50 ponto de corte e 4 por 0,25 ponto e o comunicado deixou claro que próximo passo será de outro corte de meio ponto. Eu acho que o que aconteceu é que os diretores fecharam com o comunicado a porta para especulações em torno de cortes de 0,75 ponto à frente.

E qual o espaço que o senhor acredita que há para cortes adicionais?

Acho que 11,75% é um bom número de Selic para o final do ano. Neste patamar o Copom pode cessar os cortes para avaliar o ambiente fiscal.

Muita gente no mercado avalia que faltou ao comunicado explicar melhor os motivos que levaram o Copom cortar 0,50 ponto porcentual e não 0,25 ponto. Faltou mesmo uma melhor explicação?

Isso é discurso de perdedor. Esperavam 0,25 ponto e veio 0,50. Entenderam que viria 0,25 ponto, orientaram seus negócios com base nisso e agora se sentem traídos. Faz parte. Se você olhar no contexto maior, faz tempo que existe indicação de que poderia ser maior que 0,25 ponto porcentual.

Os diretores do BC combinam o tom do comunicado?

O comunicado faz parte da comunicação do BC e é feito a 18 mãos [são 9 os membros do BC]. Então há discussão. A redação do comunicado é acertada para se passar o recado que se quer passar.

O que deve pesar mais para a ancoragem das expectativas inflação daqui para frente: o ritmo de cortes da Selic ou as aprovações do arcabouço fiscal e reforma tributária no Senado?

Tudo ajuda a ancorar as expectativas; aprovação da reforma e arcabouço, tributar ativos e rendas. Não faz mais sentido uns pagarem muito imposto e outros não pagarem nada. Isso vai trazer arrecadação extraordinária que ajudará o arcabouço fiscal. O Brasil teve melhora de rating recentemente e isso traz melhora, tem o efeito de inflação menor vindo de fora. Tudo isso ajuda a gerar um cenário positivo para a economia e a ancorar as expectativas.

Como o senhor acha que virá a ata da reunião do Copom na terça-feira?

Acho que será uma ata equilibrada, que trará entendimento de que as coisas estão melhorando, mas que fará menção ao ambiente fiscal e à necessidade de se aprovar a reforma no Senado.