18/05/2021 - 16:36
Uma escultura de Alberto Giacometti (1901-1966) foi colocada à venda há algumas semanas pelo preço inicial de US$ 90 milhões pela casa de leilões Sotheby’s. “Grande Femme I” é uma obra de bronze de uma mulher esguia, com rosto dramático e tem quase 3 metros de altura. Sou apaixonada por suas figuras alongadas, com olhos marcantes, forte expressão e texturas.
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Essa escultura leiloada foi criada em 1960, alguns anos antes de sua morte. Foi originalmente concebida para fazer parte de um conjunto de obras que estavam sendo feitas para formar uma grande instalação pública que ocuparia o Chase Manhattan Plaza de Nova York. O escultor imaginou que o espaço seria ocupado por um homem caminhando, uma mulher em pé e uma cabeça sobre um pedestal, formas que ele frequentemente repetia em seu trabalho.
Em 2015, a obra de Giacometti também ganhou destaque em manchetes de todo o mundo com outra escultura que atingiu valores estratosféricos. “L’homme au doigt” (1947) tornou-se, na época, a escultura mais cara de todos os tempos, alcançando US$ 141,3 milhões na Christie’s de Nova York. Acredito que o trabalho de Giacometti continua em destaque entre colecionadores e o público em geral porque é consistente, tem um estilo único e facilmente identificado e explora temas que até hoje são universalmente compreendidos.
Alberto Giacometti foi um dos escultores mais importantes do século XX. Sua formação é impressionante. Desde criança, sempre foi influenciado pelo pai Giovanni Giacometti, um pintor pós-impressionista de sucesso, e por seu padrinho, Cuno Amiet, um fauvista. Um de seus irmãos tornou-se arquiteto e o outro designer. Nesse ambiente criativo, ele começou a produzir com apenas doze anos. Mudou-se para Genebra em 1919, onde estudou na École des Beaux-Arts e na École des Arts et Métiers. Depois, começou a explorar um pouco de tudo: pintura a óleo, desenho, impressão, gravura, litografia e depois escultura. Em 1922, mudou-se para Paris, foi treinado pelo escultor Antoine Bourdelle, um dos artistas que trabalhou com o famoso Auguste Rodin, e passou quatro anos aprimorando-se em escultura na Académie de la Grande-Chaumière.
Seu trabalho foi particularmente influenciado por estilos artísticos como o cubismo e o surrealismo. Explorava questões filosóficas sobre a condição humana, assim como promovia debates existenciais. A partir de 1935, começou a criar composições figurativas e a explorar novas ideias artísticas que tornaram seu nome conhecido em todo o planeta. Brinco que sua obra começou pequena e cresceu com o passar dos anos, as primeiras peças, criadas de 1938 a 1944 eram minúsculas e tinham altura máxima de sete centímetros. Após a Segunda Guerra Mundial, suas esculturas começaram a ganhar forma e tamanho.
Como sempre um artista é influenciado por alguém e influencia outros. Com Giacometti não foi diferente. Começou participando de algumas atividades do grupo surrealista de Andre Breton. Alguns anos depois, foi expulso do movimento devido às suas obras realistas de modelos, mas seu interesse por formas e temas como trauma e sexualidade continuou. De uma forma totalmente radical para a época, nos anos 30, criava obras que pareciam brinquedos que convidavam o público a interagir com elas.
Seu estilo mais conhecido está presente em esculturas de figuras humanas, magras, alongadas, isoladas e muitas vezes caminhando ou em pé. Trabalhava muito no rosto das esculturas e, em especial, nos olhos, transmitindo uma sensação muito forte para quem observa sua obra. A vida está dentro dos olhos, dizia. O filósofo Jean-Paul Sartre escreveu certa vez que as figuras expressivas de Giacometti poderiam ser associadas a ideias existencialistas e a uma sensação de trauma pós-guerra. A partir daí, todos começaram a seguir esse caminho de leitura em relação à obra de Giacometti, mantendo a associação no imaginário das gerações seguintes, que cresceram ouvindo as histórias de horror da guerra.
Tão moderno e avançado para algumas coisas, ele também era conservador em outras. Tinha um minúsculo estúdio em Paris quando ainda era um jovem artista. Ficava na 46 Rue Hippolyte-Maindron, em Montparnasse. Ele acabou ficando no local e produzindo a partir dali esculturas durante décadas. Críticos costumavam dizer que as esculturas eram magras demais por causa do escasso espaço de trabalho: apenas vinte e três metros quadrados. Até o final dos anos 1950 não tinha água corrente ou a iluminação adequada. Além disso, o chão era de cimento e o telhado tinha goteiras. Mas, o espaço parecia ser um verdadeiro elástico, pois conseguia acomodar visitas frequentes de amigos como o artista Henri Matisse, o romancista Samuel Beckett e a atriz Marlene Dietrich, que adorava arte.
O ano de 1962 foi um marco de sua carreira, pois ganhou o Grande Prêmio de Escultura na Bienal de Veneza. Dois anos depois, ele recebeu o Prêmio Internacional Guggenheim de Pintura, teve várias exposições de seu trabalho, inclusive na Tate (Londres) e no MoMA (Museu de Arte Moderna, de Nova York). Os museus mais importantes do mundo adquiriram trabalhos de Giacometti. Em 2018, tive a satisfação de ver no Guggenheim de Nova York a maior retrospectiva de sua carreira. A exposição reuniu mais de 200 obras e deixou ainda mais claro que Giacometti realmente definiu uma era, com suas obras e suas esculturas. Curioso ver que ele criava figuras alongadas demais, mas gostava de usar em seu processo criativo modelos. Seu irmão Diego foi um dos que mais posou, mas alguns anos depois ele foi substituído pela artista Isabel Rawsthorne, depois por esposa Annette e por amante, Caroline.
Giacometti dizia que fazia apenas as esculturas que são oferecidas ao seu espírito já perfeitamente acabadas, mas a melhor definição de seu trabalho foi dada por seu amigo Jean-Paul Sartre: “o perfeito artista existencialista, a meio caminho entre o ser e o nada”. Se você tem alguma história maravilhosa como essa ou deseja conhecer mais sobre algum artista, aguardo sugestões pelo meu Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.