Com apenas 16 anos de idade, Luyse Acioli possui um currículo admirável no xadrez. A jovem de Maceió é hexacampeã alagoana e, neste ano, se consagrou campeã brasileira já na sua segunda participação na competição. O título garantiu a participação da adolescente no Mundial da modalidade, ocorrido neste mês, na Romênia. Do nordeste à Europa, o olhar para o tabuleiro é onipresente no dia-dia da menina, e influencia até mesmo o seu desempenho em sala de aula. Para quem a acompanha em Alagoas, a expressão “Gambito da Luyse” já é real.

A paixão de Luyse pelo enxadrismo começou em 2017, quando a escola em que frequenta passou a oferecer aos estudantes aulas extracurriculares da modalidade, além de futebol, balé, judô e natação. Segundo a jovem, o xadrez chamou sua atenção pela maneira didática com a qual o jogo foi ensinado. O amplo uso do raciocínio lógico foi outro fator que despertou o seu interesse, o que ajudou a aprimorar o seu rendimento escolar, principalmente nas matérias de ciências exatas, como física e matemática.

A técnica de enfermagem Roberta, mãe de Luyse, conta que poucos tempo após a menina demonstrou vontade de participar de torneios pouco tempo depois de ser introduzida ao universo do xadrez. Ela relata ter se surpreendido com o enorme silêncio que tomava conta dos duelos, uma vez que nunca havia movido uma peça antes. Quando a filha disse que gostaria de ser atleta, ela não hesitou em manifestar apoio. “Eu só ouvia a zoadinha do relógio (nos torneios) e fui vendo os benefícios que o xadrez estava trazendo para a vida da Luyse. Quando ela ganhou o troféu e disse que queria ser profissional, eu disse ‘vamos’ na mesma hora. Acompanho ela em todos os campeonatos de lá para cá.”

E não são poucos os troféus. Com cerca de dois anos no circuito estadual, Luyse já conquistou seis vezes o título alagoano. Alguns dos mais de cem campeonatos que disputou não possuía inclusive distinção de idade entre os competidores, colocando a jovem frente a frente com adversários já adultos. As vitórias da enxadrista a levaram a fazer parte da delegação de Alagoas que disputou o Campeonato Brasileiro da categoria, com jogos em Aracaju e Natal, além de Maceió, claro. Em junho, já na sua segunda participação, foi coroada com o ouro.

O título brasileiro fez a jovem alagoana aparecer em programas de TV e ser comparada por outros competidores em Maceió com Elizabeth Harmon, personagem principal da série “O Gambito da Rainha”, da Netflix, que conta a história de uma enxadrista prodígio. Luyse destaca que o seriado, batizado com o nome de uma jogada clássica, foi importante para apresentar o xadrez para uma nova geração. “Cresceu muito o número de jogadores por causa da série. Muita gente não sabia nem movimentar as peças, então (o xadrez) abriu muitas portas para pessoas que não sabiam nem o que era o xadrez e, assim, começaram a conhecer e dar valor ao esporte”, diz. “As pessoas dizem que é o ‘Gambito da Luyse’”, revela Roberta aos risos.

Ao destacar um ídolo no esporte, Luyse não titubeia em citar a húngara Judit Polgár, considerada uma das maiores de todos os tempos e responsável por superar o lendário Bobby Fischer como a grã-mestre mais jovem da história, com 15 anos e 4 meses, em 1991 – o título atualmente pertence ao japonês Abhimanyu Mishra, de 12 anos 4 meses. “(Judit) é a única jogadora que realmente enfrentava homens e que não tinha medo ou preferia participar de algum torneio feminino. Hoje ela já não joga, mas ainda é a jogadora mais forte de todos os tempos e abriu portas para muitas mulheres que se inspiram nela”, afirma.

VAQUINHA ONLINE E TORNEIO NA ROMÊNIA

Com o título nacional adquirido, Luyse estava com vaga garantida para o Mundial da Romênia, que aconteceu na primeira quinzena de setembro. Porém, os custos da viagem motivaram a família da enxadrista a lançar uma vaquinha online para arrecadar os fundos necessários para a ida ao torneio no leste europeu. Roberta conta que elas tiveram somente um mês e, apesar da vaga, precisaram pagar R$ 2.400 de inscrição. As passagens aéreas, compradas a toque de caixa, saíram por R$ 28 mil, conseguidas pelo governo de Alagoas. Para o traslado e alimentação, a vaquinha conseguiu juntar R$ 5 mil. A Federação Alagoana de Xadrez (Fexeal) ajudou com uma rifa, além de familiares e outras figuras do xadrez local que fizeram a viagem ser possível.

Ao desembarcarem na Romênia, mãe e filha tiveram de superar alguns percalços. Além do frio de 13°, pouco habitual para quem está acostumado com o sol do nordeste brasileiro, a dupla precisou fazer uma viagem de quatro horas de ônibus de Bucareste até a área de Mamaia, no distrito de Constança, onde o torneio foi realizado. O tradutor do Google foi uma companhia essencial para facilitar a comunicação com os locais. Elas contam que não conseguiram aproveitar para conhecer melhor o país, pois a rotina diária consistia em ir para o torneio pela manhã, voltar de noite para o hotel e estudar a próxima adversária antes de dormir. A tática para conhecer os rivais passa por buscar o nome de cada um em sites especializados e observar como progrediram em determinado jogo para tentar antecipar quais vão ser os seus movimentos.

As partidas foram disputadas no ritmo clássico, chegando a levar até quatro horas, com três duelos ao dia. O cansaço da viagem pesou, mas não chegou a ser um fator determinante, segundo Luyse. Segundo ela, os russos foram os que mais a impressionaram, com crianças de 12 anos com um nível de xadrez “absurdo”, além da Espanha, com cerca de 30 competidores. Mesmo assim, ela conta que esteve confiante durante toda a sua participação, fazendo mais de 50% do torneio e levando o Brasil ao 44º lugar entre os 87 países presentes.

“Por ser um torneio muito forte, eu acho que tive partidas muito boas. E ainda durante o torneio recebi a notícia de que tinha virado mestre nacional. Então eu fiquei muito feliz. Talvez em algumas partidas eu pudesse ter tido um pouquinho mais de atenção com alguns erros cometidos, mas de uma maneira geral, eu gostei bastante”, afirma Luyse.

De volta ao Brasil, Luyse corre contra o tempo para recuperar algumas aulas perdidas, mas sempre mantendo a sua rotina diária de treinos, que varia entre duelos com sua irmã, que também dá os primeiros passos com as peças, e disputas em torneios online. “Pretendo participar do Campeonato Sul-Americano em novembro, que é provavelmente o último grande que vai ter até o fim do ano. E ano que vem, com fé em Deus, é conseguir novamente a colocação brasileira para participar do Mundial, que vai ser na Itália.”