A questão de gênero chegou à SP-Arte. A crescente participação de mulheres artistas, bem como a presença de trabalhos que discutem as desigualdades entre homens e mulheres, levou os organizadores a reconhecer que o movimento em defesa da correção de distorções históricas, que já vem pressionando o circuito norte-americano e europeu há algum tempo, finalmente está chegando ao Brasil. “Não foi proposital, mas é possível notar que está todo mundo mais atento”, afirma Fernanda Feitosa, diretora do evento. Segundo ela, trata-se de um fenômeno mundial: “Os curadores estão sempre revendo, desenvolvendo leituras diferentes ao longo da história, buscando outros enfoques e vieses, realizando resgates importantes”.

Feitosa destaca que 11 das 159 galerias da feira têm participação exclusivamente feminina, estando situadas sobretudo nos segmentos curatoriais da feira como o Solo, o Repertório e o Núcleo de Performance. E anuncia que uma das dez visitas guiadas oferecidas ao público realizará um circuito dedicado às mulheres na arte do século 20. Segundo a pesquisadora Bruna Fetter, autora de Narrativas Conflitantes & Convergentes: As Feiras nos Ecossistemas Contemporâneos da Arte, esse resultado é “um fenômeno interessante, que advém de um grande esforço coletivo das mulheres, reivindicando mais espaço e visibilidade nas instituições”.

Dentre os espaços da SP-Arte que privilegiam a participação feminina se destaca a galeria Cheim & Read, que optou por trazer, em sua primeira participação, um trio feminino de peso: Louise Bourgeois, Lynda Benglis e Joan Mitchell. “Acredito que estamos numa época de revisionismo, reconsiderando artistas mulheres de grande importância histórica. Parece que o Brasil é um lugar ideal para expormos agora, especialmente porque tem uma história tão rica cultural de importantes artistas – Tarsila do Amoral, Lygia Clark, Beatriz Milhazes, Tomie Ohtake e Lygia Pape para citar apenas algumas”, afirma o galerista Adam Sheffer.

Dentre os destaques internacionais é possível citar os trabalhos da croata Sanja Ivekovic e da austríaca Renate Bertlmann, como exemplos de mulheres que lidam com a questão da desigualdade de gênero em seus trabalhos. Há também várias brasileiras, de diferentes gerações, como Judith Lauand, Carolina Martinez e Lydia Okumura.

Mulher, latina, de origem asiática e com um trabalho de forte teor conceitual, Lydia é um exemplo clássico das dificuldades vivenciadas pelas artistas para conseguir penetrar num universo majoritariamente masculino. “É impressionante como elas conseguiram circular em ambientes tão restritos”, constata a marchande que a representa, Jaqueline Martins, da galeria homônima considerada uma das brasileiras com maior presença feminina em seu pool de artistas. Jaqueline se diz atenta à questão, mas reconhece que as mulheres ainda estão em desvantagem. “Temos 18 artistas e 8 são mulheres”, diz ela, mas concorda que mesmo em setores mais conservadores como as feiras de arte já é possível sentir uma mudança de mentalidade. E que os compradores estão mais atentos. “Fazem esforço para manter um orçamento mais cuidadoso, para equilibrar melhor as aquisições.”

Por outro lado, reconhece que ainda há muito que caminhar. Bruna Fetter concorda: “Mesmo tendo essa situação específica no Brasil, onde mulheres têm maior participação no mercado da arte e em coleções institucionais do que em outros países, isso não quer dizer que as mulheres estão em pé de igualdade. Não tenho registro de instituição nacional que tenha em seus acervos mais do que 30% de obras de artistas mulheres em suas coleções. Geralmente, esse número fica na casa dos 20%. Ainda é pouco, muito pouco”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.