Poderosas e bem-equipadas instituições do Primeiro Mundo vêm tentando esclarecer o que chamam de “crise da democracia” com base em montanhas de pesquisas de opinião. O volume é deveras impressionante e o saldo de todo esse esforço deve ser positivo.

Mas certos cuidados prévios precisam ser observados, pois é também possível que nos estejam vendendo gato por lebre. Somando centenas de levantamentos de opinião, abrangendo, literalmente, milhões de entrevistados, tem-se afirmado que o apreço pela democracia está em declínio por toda parte, com uma queda acentuada no transcurso desta década.

Para mensurar tal tendência, em algum momento os questionários aplicados têm que incluir uma pergunta explícita sobre a democracia. Algo como: “o Sr (a) acha que a democracia é sempre o melhor regime ou algum outro pode ser mais adequado em certas circunstâncias?” Repare o leitor que uma pergunta desse tipo envolve um altíssimo grau de abstração. Salta aos olhos que nem todos os entrevistados entendem da mesma forma o termo democracia; trinta por cento, no mínimo, talvez não façam a menor ideia do que se trata. Mas responderão à pergunta, uma parcela considerável deles querendo na verdade transmitir de uma forma difusa se estão ou não satisfeitos com a vida. Certo é, portanto, que a pergunta só capta realmente o que pretende captar entre as camadas de alta escolaridade, bem informados e de fato interessados em política.

Claro está, portanto, que uma importante questão prévia se impõe. Qual é, realmente, nosso objetivo? Queremos saber se o regime democrático está em perigo ou se há um mal-estar geral, no mundo todo?

E quais são as causas desse fenômeno, quer se trate de desapreço pela democracia ou de um mal-estar generalizado? Ora, nesse mundo em que vivemos, seria espantoso se um número crescente de pessoas se declarassem felizes.

O risco de recorrer sem as devidas cautelas a uma montanha de pesquisas é, pois, bem maior do que comprarmos gato por lebre. O risco é estimularmos os cidadãos a jogarem fora o bebê com a água do banho. Democracias às vezes desmoronam, quanto a isso não há dúvida, mas a causa nunca é apenas um estado generalizado de mau humor. É a exploração do mau humor por gente que não acredita na democracia e sempre quis destruí-la.

Ora, nesse mundo em que vivemos, seria espantoso se um número crescente de pessoas se declarassem felizes