O presidente do World Water Council (WWC), o brasileiro Benedito Braga, nota uma predisposição internacional de compartilhar a água, um bem cuja gestão tem sido debatida no Fórum Mundial da Água, que se encerra nesta sexta-feira (23), em Brasília.

Braga é autor de vários livros e tem doutorado em recursos hídricos pela Universidade de Stanford. Mas longe de ser um homem encastelado na academia, em 2014 esteve à frente da resposta à grave escassez que atingiu São Paulo, uma das maiores cidades do mundo.

Em seu segundo mandato à frente da entidade que organiza o 8º Fórum Mundial da Água, ele voltou ao Brasil para debater com cientistas e líderes políticos soluções para um mundo no qual bilhões de pessoas não têm garantido acesso à água potável.

Braga recebeu a AFP em um intervalo em sua apertada agenda no Fórum.

– Pergunta: Qual é a prioridade para a crise global da água?

– Resposta: Eu acho que a prioridade número um mundial é a segurança hídrica. Que toda pessoa tenha direito a ter água em quantidade e qualidade suficientes para ter as suas necessidades básicas satisfeitas.

Segurança hídrica é algo que todo país deveria ter no alto da sua lista de prioridades porque na medida em que você tem segurança hídrica, você tem segurança alimentar, segurança energética, o saneamento, a saúde.

– Pergunta: E a política está respondendo?

– Resposta: A política reage à crise. Na medida em que crises acontecem em outros países, isso já é uma alerta, uma forma de conscientização política para trabalhar preventivamente antes que a crise aconteça em seu país.

Hoje, todos sabem da crise que aconteceu em São Paulo, na Califórnia, na África do Sul, em Portugal. E amanhã será algum outro.

Tem movimentos aqui no Brasil mesmo para aumentar a disponibilidade de água no nordeste, que está sofrendo com sete anos de seca. As usinas de dessalinização que a Austrália construiu durante a seca do milênio, de 2000 a 2010, e todas as obras que o estado de São Paulo fez depois da seca.

Agora, os países mais pobres da África, por exemplo, têm grande dificuldade de assegurar isso porque as obras custam muito dinheiro e eles não têm esses recursos. Aí, entra a ajuda dos mais ricos.

– Pergunta: E como se financia o déficit de infraestrutura para levar água ao mundo?

– Resposta: É algo que estamos olhando dentro do WWC. Nós estamos vendo como envolver o setor privado, mas de fato o “gap” (brecha) é muito grande para poder atender à segurança hídrica mundial [entre 150 e 300 bilhões de dólares, de acordo com o WWC].

Isso vai levar muito tempo porque não há todo esse dinheiro disponível. Aí entra de novo a questão política. Ela não pode ficar de fora, porque a demanda é muito grande e a disponibilidade, reduzida. Tem que priorizar.

– Pergunta: Quais são as suas expectativas com o capital privado?

– Resposta: Essa é uma questão complexa porque houve situações na América do Sul, nos anos 90, com a privatização dos serviços de saneamento, que geraram muita confusão por problemas de taxa de câmbio e questões políticas, e o setor privado se afastou da água e do saneamento.

Hoje, estamos presenciando que os chineses estão muito interessados na água, hidroeletricidade, saneamento, principalmente na África. É complexo politicamente conseguir uma estabilidade para investimentos de longo prazo.

– Pergunta: Durante o fórum, houve mensagens dramáticas sobre a crise global. É otimista sobre o futuro?

– Resposta: Eu sempre vejo o copo d’água meio cheio. Há motivos para ser otimista. Por exemplo, no caso dos rios transfronteiriços. Temos 260 bacias hidrográficas compartilhadas por dois ou mais países. Nessas bacias, que têm 1.800 potenciais conflitos registrados no passado, 99% terminaram em acordos de cooperação. Há uma predisposição a compartilhar água.