A África do Sul acusou Israel, nesta quinta-feira (11), na máxima jurisdição da ONU de descumprir a Convenção para a Prevenção de Genocídios, afirmando que nem mesmo o massacre do Hamas de 7 de outubro justifica o alcance da campanha israelense em Gaza.

“Nenhum ataque armado ao território de um Estado, por mais grave que seja (…) justifica a violação da convenção”, afirmou o ministro sul-africano da Justiça, Ronald Lamola, na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia.

“A resposta de Israel ao ataque de 7 de outubro ultrapassou esta linha e dá lugar a violações da convenção”, acrescentou.

A campanha de bombardeios israelenses busca “destruir as vidas dos palestinos” e coloca a população “à beira da fome”, afirmou Adila Hassim, advogada da África do Sul na corte.

“A situação é tal que os especialistas preveem que mais pessoas em Gaza poderão morrer de fome e doenças” do que devido a ações militares, advertiu.

“Os genocídios nunca são declarados antecipadamente, mas esse tribunal conta com as últimas 13 semanas de provas que mostram, de forma irrefutável, um modelo de comportamento e de intenção que justifica uma acusação verossímil de atos genocidas”, declarou.

Israel reagiu, acusando a África do Sul de agir como o “braço jurídico” do Hamas. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Lior Haiat, descreveu essas acusações como “um dos maiores espetáculos de hipocrisia da história”.

A guerra entre Israel e o Hamas eclodiu após o ataque de 7 de outubro do movimento islamista palestino em solo israelense, que deixou cerca de 1.140 mortos, a maioria civis, segundo balanço da AFP baseado em dados oficiais israelenses. Entre os mortos estão mais de 300 militares.

Em resposta, Israel prometeu “aniquilar” o Hamas e bombardeia sem cessar esse enclave palestino, sob um rígido cerco. Mais de 23.350 pessoas, a maioria mulheres e menores, morreram, informou o Ministério da Saúde do Hamas na quarta-feira.

A África do Sul argumenta que Israel não está cumprindo suas obrigações no âmbito da Convenção para a Prevenção e Sanção do Crime de Genocídio, um tratado de 1948 criado precisamente após o Holocausto, no qual os nazistas e seus colaboradores exterminaram seis milhões de judeus europeus.

– Brasil e Colômbia apoiam a iniciativa –

Como signatária do tratado, a África do Sul pode levar Israel à CIJ, que se pronuncia sobre disputas entre países. Em sua acusação, o país reconhece o “peso particular da responsabilidade” de acusar Israel de genocídio e condena “inequivocamente” os ataques do Hamas que deflagraram a guerra em Gaza.

Os governos do Brasil e da Colômbia manifestaram seu apoio à África do Sul nessa ação. O apoio ao país africano por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi oficializado na quarta-feira, após reunião com o embaixador palestino, Ibrahim Alzeben, em Brasília.

Já o governo colombiano de Gustavo Petro expressou, em um comunicado, que “acolhe com satisfação a ação movida pela África do Sul contra Israel (…) pela violação das disposições da Convenção contra o Genocídio de 1948”.

– “Atroz e absurdo” –

De Israel, o presidente Isaac Herzog atacou estas acusações.

“Não há nada mais atroz e absurdo do que esta declaração”, disse ele.

“Estaremos na Corte Internacional de Justiça e apresentaremos com orgulho nosso caso de legítima defesa (…) de acordo com o direito internacional humanitário”, afirmou.

Segundo o presidente, o Exército israelense está “fazendo todo o possível em circunstâncias extremamente complicadas no terreno para garantir que não haja consequências indesejadas nem vítimas civis”.

Os Estados Unidos apoiam Israel, seu aliado, e consideram as acusações de Pretória “infundadas”.

“Israel tem o direito de se defender contra as ações terroristas do Hamas”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller.

“Israel opera em um ambiente excepcionalmente difícil em Gaza, um campo de batalha urbano, no qual o Hamas […] se esconde intencionalmente atrás de civis”, acrescentou.

Como esse é um procedimento de urgência, a CIJ poderá se pronunciar em questão de semanas. Embora suas decisões sejam definitivas e não possam ser objeto de recurso, os países nem sempre seguem os vereditos do tribunal, como é o caso da Rússia, que foi ordenada pela CIJ a pôr fim à invasão da Ucrânia.

Em Haia, a polícia teve de separar os manifestantes pró-Israel dos pró-palestinos, que carregavam cartazes com os dizeres: “Acabem com o Apartheid israelense”.

Os líderes israelenses “expressaram explicitamente seu desprezo pelas vidas dos civis palestinos”, disse Zohar Janovitch, de 40 anos.

“É uma vergonha que Israel, que faz o necessário e é atacada pelo Hamas, se veja agora enfrentando um processo”, rebateu Ada Deyl, uma aposentada de 80 anos.

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