Afegãos que encontraram refúgio na França nos últimos anos agora temem que seus familiares deixados para trás fiquem permanentemente no país e enfrentem retaliações do Talibã por seus laços com o Ocidente.
“Meu pai e meu irmão trabalharam para os americanos por três anos. Eles deixaram Cabul para se esconderem a alguns quilômetros de distância porque o Talibã está procurando quem ajudou os ocidentais”, disse Nosar Ahmad, de 24 anos, refugiado na França desde 2018 .
Seu pai e seu irmão apresentaram pedidos de visto na embaixada dos Estados Unidos há várias semanas, mas até agora permanecem sem resposta, diz ele. “Agora que os diplomatas foram evacuados, temo que seja tarde demais”, diz ele. “Em Cabul, todos estão chocados, tudo aconteceu muito rápido.”
“O presidente foi embora, não há nada a fazer”, acrescenta, referindo-se ao presidente Ashraf Ghani, que saiu de Cabul de avião com destino desconhecido.
Como muitos afegãos, Ahmad teme que o Talibã reimponha a versão extremista da lei islâmica que vigorava quando eles governaram entre 1996 e 2001.
“O Talibã afirma que está mais moderado do que antes, mas não engana mais ninguém. Com eles no poder, os afegãos serão privados de seus direitos fundamentais”, disse Ahmad.
Imagens de afegãos invadindo a pista do aeroporto de Cabul e até mesmo se pendurando em aeronaves chocaram o mundo e destacaram o desespero de muitos para fugir.
– Temor por mulheres e meninas –
Sonila Mohamadi, que deixou o Afeganistão em 2017 e pediu asilo na França, teme por seu marido, que ficou para trabalhar para os Estados Unidos e planejava se encontrar com ela mais tarde.
“Ela esperou muito tempo”, disse esta mulher de 28 anos que tem muito pouco contato com o marido devido à má conexão de internet no Afeganistão.
“Talvez tente encontrar abrigo em um campo de refugiados no (vizinho) Tadjiquistão por um tempo. Ele estaria mais seguro lá. Mas continuaremos separados”, diz ela, com a voz trêmula.
Hashon Hasani, de 21 anos, refugiado na França desde 2019, esperava que sua irmã de 20 anos obtivesse um visto que permitiria que ela se juntasse a ele.
“O Talibã leva garotas e mulheres. A partir dos 12 anos elas podem se casar. O que aconteceria se minha irmã fosse casada à força?”, questiona o estudante de psicologia da Universidade de Villetaneuse, na região de Paris.
Como centenas de afegãos preocupados com o avanço do Talibã, sua irmã solicitou um passaporte das autoridades afegãs há duas semanas, “mas não o recebeu a tempo”.
“Agora as estradas estão fechadas, as embaixadas foram evacuadas. Por enquanto, os diplomatas franceses continuam emitindo vistos, mas até quando?”, diz Hasani.
A França, como outros países europeus, suspendeu a deportação de requerentes de asilo afegãos.
O presidente Emmanuel Macron também disse que a França está disposta a ajudar ativistas, artistas e jornalistas afegãos que correm o risco de serem alvos do Talibã por seu trabalho, mas ainda não está claro como isso será aplicado.
“Não é o suficiente”, disse Reza Jafari, que dirige a organização Children of Afghanistan and Other, com sede em Paris. “O que é preciso é que o governo diga que todos os cidadãos afegãos podem obter asilo.”
Vários membros da esquerda na França condenaram as declarações de Macron, que disse na noite de segunda-feira que “devemos nos antecipar e nos proteger contra grandes fluxos migratórios irregulares”.
Diante da polêmica, o presidente destacou no Twitter que “a França cumpre e continuará cumprindo seu dever de proteger àqueles que correm riscos”.