“Foi aberto um processo disciplinar na corregedoria da entidade para apurar se houve, por parte da OACB, a captação indevida de clientes” Felipe Santa Cruz, presidente nacional da OAB (Crédito:Ze Carlos Barretta)

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é uma entidade séria, intransigente na defesa do Estado de Direito, teve papel fundamental na redemocratização do País e traz em suas togas uma tradição de noventa anos. Ela não merece ver o surgimento de uma sucursal de extrema-direita, que bate de frente com aquilo que guarda de mais precioso: a ética. Trata-se da autointitulada Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil (OACB), aberração nascida na Paraíba por iniciativa de operadores do direito, obviamente no campo da advocacia, e que reúne não mais que cinquenta profissionais. São liderados por Geraldo Barral e incentivam a população a denunciar, sobretudo por e-mail, quem ofender o presidente Jair Bolsonaro, seus familiares, amigos ou integrantes do governo – em meio ao clima de extremismo que reina no País, uma simples detratação corre o risco de ser interpretada como ofensa. Mais: a OACD ameaça processar todo mundo, seguindo uma falta de lógica tão cegamente autoritária que não se deu conta (ou encena que não deu) de que os ofensores são justamente aqueles que ela se propõe a defender – até porque, em matéria de deseducação, o clã Bolsonaro é imbatível em disparar agressões por meio das redes sociais.

Barral se apresenta em seu site profissional como um polímata das leis — atuando nas áreas do direito autoral, securitário, empresarial, cível, penal e de família —, mas despreza um importante ponto de sua profissão quando ameaça processar de forma generalizada: o de zelar pela execução da Justiça, ou seja, a defesa do próprio “devido processo legal”. Dessarte, o propósito da OACD nesse campo de produção de uma linha de montagem de processos (e os alvos principais, segundo anúncio do próprio órgão, são professores e artistas) pode se configurar em crimes de captação indevida de clientes e assédio jurídico. E, tanto é assim, que a OAB já ingressou na Justiça. “Foi aberto um processo disciplinar na corregedoria da entidade para apurar a captação indevida de clientes e descobrir se houve, também de forma indevida, a utilização da marca de nossa instituição”, diz Felipe Santa Cruz, presidente nacional da OAB. Caso Barral tenha incorrido em algum desses crimes, poderá ser punido com exclusão da advocacia. Por que Barral dá ênfase a artistas e professores quando fala em processar os detratores de Bolsonaro? Pois bem, aqui a sua argumentação é um show de anacronismo intelectual e radicalismo ideológico: “Professores e artistas são esquerdistas. Eles formam opinião e, geralmente, são de esquerda”. Está aí a explicação do motivo pelo qual a OACB elegeu essas duas categorias para serem as mais patrulhadas.

Todos e quaisquer regimes totalitários mantêm-se por meio de condutas antiéticas, ainda que recebam o apoio do povo que se deixa seduzir pelo demagógico populismo de seu mandatário. Ou seja: tais regimes desprezam a ética em decorrência inevitável do desprezo pela democracia – e nada existe de mais antiético que o incentivo à delação, justamente o que OACB vem fazendo. Guardadas e respeitadas as devidas proporções, e deixando-se claro que opositores de Bolsonaro não matam nem sequestram como o fizeram alguns guerrilheiros, o modo de agir da OACB guarda um déjà vu: nos traz à lembrança (exclusivamente no aspecto de incentivo à delação) os cartazes que a ditadura militar espalhava pelo País pedindo à população que denunciasse aqueles que recorreram às armas no combate ideológico ao governo. “A OACB quer calar os bons”, diz Santa Cruz. Cabe, aqui, recorrermos ao inteligente paradoxo desenvolvido pelo filósofo Karl Popper: em nome da civilidade que se traduz em tolerância, “até que ponto podemos ser tolerantes com os intolerantes, sem que eles acabem por aniquilar nossa tolerância?”. Santa Cruz, o presidente da OAB de verdade e que orgulha o País, dá a sua resposta: “Não dá mais para ser tolerante com intolerantes”.

O presente repete o passado

À esquerda, propaganda da OACB, pedindo à população para delatar os que ofenderem Bolsonaro, sua família ou membros do governo. Acima, cartaz da época da ditadura militar, incitando a delação daqueles que recorreram às armas contra o regime de exceção. Guardadas as devidas proporções, até porque opositores de Bolsonaro nunca mataram nem sequestraram como
o fizeram os guerrilheiros, há, no método da OACB, um perigoso déjà vu.