O advogado do homem negro que teve as mãos e os pés amarrados por policiais militares de São Paulo e que foi arrastado por eles, conforme pode ser visto em gravação que circulou nas redes sociais, afirma que os agentes de segurança cometeram os crimes de tortura e abuso de autoridade, sendo este último tanto em relação ao réu quanto à testemunha que gravou o vídeo.

“Eles cometeram abuso de autoridade ao forçar uma pessoa (testemunha) a ir até a delegacia, o que ‘até foi bom’, porque assim tivemos as informações do que aconteceu. Os policiais se utilizam de algo que não podem fazer, que é coagir a pessoa por estar filmando o seu trabalho, que é público em ambiente público e eles são funcionários públicos”, diz José Luiz de Oliveira Júnior, da O & S Advogados a IstoÉ.

+ SP: O que se sabe sobre o caso de homem negro amarrado por PMs

+ PM paulista afasta agentes que carregaram homem amarrado por corda

O homem foi preso no domingo, 4, após ter roubado produtos de um mercado da Vila Mariana, Zona Sul da capital paulista. O advogado acredita que a polícia quer demonstrar para toda a sociedade que a abordagem desastrosa de dias atrás não é o padrão deles. Ele se refere ao episódio em que um homem foragido foi abordado por dois policiais e se desvencilhou deles roubando a arma de um deles e baleando a dupla com a arma.

“Eles querem mostrar que são fortes e que comandam a situação, mas para isso extrapolaram amarrando uma pessoa. Porque eles andam com uma corda na viatura? O que se tem numa viatura? E mesmo amarrado, eles poderiam ter pegado uma maca, mas preferiram arrastar o réu até a maca. Eles fazem questão de fazer isso mesmo sabendo que estão sendo filmados. Não podemos aceitar isso. Voltamos à barbárie? Não, precisamos ter um grito de esperança porque se a gente se apequenar nós seremos engolidos por procedimentos totalmente fora dos padrões do que a própria polícia preza”, defende Oliveira Júnior.

Ele acredita que o comportamento dos PMs demonstra um enraizamento do racismo estrutural no país em instituições como a polícia. “O racismo pelos policiais existe pela própria corporação, porque apesar de existirem policiais mestiços e negros, isso não impede que eles possam cometer atos racistas. Essa pessoa carregada poderia ser uma pessoa da família deles, mas existe a mesma mentalidade do capitão do mato, que vem lá de trás da época da escravidão”.

O réu encontra-se preso desde o dia 5 deste mês por ordem da juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli após audiência de custódia realizada no Foro de Plantão 00º CJ da Capital da Comarca de São Paulo, no bairro da Barra Funda. A magistrada alega não ter visto o vídeo em que o réu aparece sendo amarrado e arrastado pelos PMs.

Oliveira Júnior afirma que já entrou com o pedido de Habeas Corpus e que o réu deverá responder ao crime em liberdade. “Até porque a prisão é totalmente ilegal e arbitrária”. Em trecho do documento, o advogado afirma:

“Comparecendo à audiência de custódia a juíza, ora autoridade coatora a Exa. magistrada ratificou a prisão em flagrante e a transformou em prisão preventiva com os seguintes dizeres que PASMAM ATÉ OS MAIS LEIGOS…

“NÃO HÁ ELEMENTOS QUE PERMITAM CONCLUIR TER HAVIDO TORTURA OU MAUS TRATOS OU AINDA DESCUMPRIMENTO DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS ASSEGURADOS AO PRESO”

Acabou excelência, voltamos à barbárie, à escravidão!!! A POLÍCIA PODE FAZER O QUE QUISER COM POBRE e PRETO EM
VULNERABILIDADE SOCIAL!!! A ERA DAS TREVAS VOLTOU, BALIZADO PELA JUSTIÇA? AINDA HÁ O TRIBUNAL.. CREMOS.”

Em relação às imagens, que a juíza, diz não ter tido acesso, ele diz: “A juíza diz que não viu as imagens, mas já existe pedido de revogação da prisão preventiva anexada aos autos e ela pode de ofício requerer a liberdade do réu. Eu não posso afirmar se ela acessou as imagens porque infelizmente eu não estava na audiência de custódia porque até esse momento eu não era advogado do réu. Só me tornei horas depois da audiência”.

“Ninguém deve ser a favor do crime. Ele deve ter a devida reprimenda, mas ela deve ser proporcional à conduta”, conclui.

Entenda o caso

Um homem negro suspeito de furtar chocolates de um supermercado teve os pés e mãos amarrados com uma corda por policiais militares, na segunda-feira, 5, no bairro Vila Mariana, em São Paulo. Imagens de um vídeo publicado em redes sociais mostram o homem gritando de dor enquanto era carregado por dois policiais no interior de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). As imagens repercutiram nos últimos dias e a Polícia Militar afastou os envolvidos do trabalho operacional.

Segundo as imagens, enquanto o suspeito grita e pede calma, afirmando que está colaborando, os agentes o enfiam na traseira de uma viatura. Conforme o registro feito pelos policiais na Polícia Civil, três homens teriam entrado na loja de uma rede de supermercados e furtado produtos alimentícios e bebidas, avaliados em aproximadamente R$ 500. OS outros dois suspeitos, um homem de 38 anos e um menor de 15, foram presos por outros policiais que patrulharam a região. Eles foram identificados pelas roupas e teriam confessado o furto. Os dois também foram levados para a UPA da Vila Mariana.