O advogado Matheus Mayer Milanez, que representa Augusto Heleno, iniciou sua fala criticando a conduta do ministro Alexandre de Moares, relator do caso, afirmando que ele colheu provas e teria coagido o réu. A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) retomou nesta quarta-feira, 3, o julgamento contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Na primeira sustentação do dia, o advogado Matheus Mayer Milanez apresenta 107 slides para refutar a denúncia da PGR contra o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
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O advogado de Heleno também apontou fragilidade nas provas da PGR e disse que o ex-chefe do GSI estava afastado de Bolsonaro no período em que a denúncia expõe a suposta organização golpista. Matheus ressaltou que o general ficou em silêncio em uma das lives em que Jair Bolsonaro atacou o sistema eleitoral e usou um escrito com defesa da vacina para a Covid-19 para comprovar o afastamento entre o militar e o ex-presidente.
Em outro momento, Milanez usou uma citação no ministro Luiz Fux na ação, que diz: “A legítima vedação à substituição da atuação probatória do órgão acusador significa que o juiz não pode, em hipótese alguma, tornar-se protagonista do processo”. Com base nisso, o advogado destacou que teria ocorrido violação artigo 5° da Constituição Federal, que aponta em seu inciso 63 o direito de permanecer em silêncio durante interrogatório.
O advogado indagou o número de perguntas feitas pelo relator do caso, 302, enquanto a PGR fez 59 durante a oitiva de Heleno. “Se o réu não responde a alguma pergunta, não prevalece o indúbio para o réu? Então qual a função da consignação das perguntas, se não o constrangimento do interrogado? Ao se colocar as suas perguntas, se o interrogando não responde a alguma pergunta, não estaria ele coagido a responder de certa forma? Então para esta defesa técnica fica muito evidente e fica claro a questão da nulidade pela violação do sistema acusatório e do direito ao silêncio”, pontuou.
Para tratar sobre o recolhimento de provas em depoimentos de testemunhas, Malinez usou como exemplo o caso Waldo Manuel de Oliveira Aires que foi questionado por Moraes sobre uma publicação nas redes sociais “que não consta nos atos” do processo.
“Ou seja, temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso? Qual o papel do juiz julgador, ou é um juiz inquisidor? O juiz é imparcial, afastado da causa, então por que o magistrado tem a iniciativa de pesquisar as redes sociais da testemunha?”, questionou o advogado.
Na visão da defesa, não era “possível analisar” os 80 terabytes de informações que constam nos autos da ação penal, e ressaltou sobre a necessidade de o material ser catalogado, com índice ou sumário que permitisse a avaliação do conteúdo. Mas, segundo advogado, o pedido foi negado sob a justificativa que esse tempo seria utilizado para adiar o julgamento.
Acusação
Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), Bolsonaro foi o líder da organização criminosa e participou ativamente na elaboração da minuta do golpe para evitar a posse de Lula. O ex-presidente ainda é acusado de editar uma minuta golpista e pressionar chefes das Forças Armadas a aderirem ao plano. Ele recuou da ideia após a recusa dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Além de Bolsonaro, outros sete aliados são réus no processo relatado pelo ministro Alexandre de Moraes. São eles:
- Alexandre Ramagem, deputado federal (PL-SP)
- Almir Garnier Santos, almirante e ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres, delegado do PF e ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno, general e ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional)
- Jair Bolsonaro, capitão e ex-presidente da República
- Mauro Cid, tenente-coronel, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator
- Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, general e ex-ministro da Casa Civil
O processo é analisado pela Primeira Turma da Corte, que conta com cinco ministros: Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino. O julgamento deve durar até dia 12 de setembro.
Os votos dos ministros devem ficar apenas para a segunda semana de julgamento. A expectativa nos bastidores do STF é pela condenação de Bolsonaro, a dúvida está no placar unânime ou se haverá voto contra de um dos ministros. A incógnita está no voto de Luiz Fux, que já deu indícios de que poderá divergir do voto do relator.
Da trama ao tribunal
Na campanha frustrada para se reeleger, em 2022, Bolsonaro reuniu ministros, embaixadores estrangeiros e discursou para descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro, sugerindo ser vítima de uma fraude. Mais de 44 horas após o fechamento das urnas, admitiu a derrota, mas não desmobilizou apoiadores que bloqueavam estradas e acampavam em frente a quartéis do Exército, pedindo intervenção militar.
Conforme as investigações da Polícia Federal, o então presidente e um grupo de aliados — os outros sete integrantes do ‘núcleo 1’, réus no julgamento desta semana — articulavam alternativas para reverter a decisão popular naquele período.
Bolsonaro recebeu e editou documentos que dariam embasamento jurídico à ruptura institucional, se reuniu com os comandantes das Forças Armadas para consultar a anuência das tropas à ideia e teve conhecimento de um plano para executar o presidente Lula (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes antes da troca de governo.
Em 30 de dezembro, às vésperas de concluir o mandato, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos, não passou a faixa presidencial ao sucessor e só retornou ao país depois de três meses. Na ausência do político, apoiadores mantiveram os acampamentos em frente a quartéis, amplificaram as manifestações e invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, em tentativa derradeira de mobilizar uma intervenção militar.
Em fevereiro de 2024, a PF deflagrou a Operação Tempus Veritatis, primeira a cumprir mandados relativos ao plano golpista, com base na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em novembro, foi a vez da Operação Contragolpe, cujas apurações ampliaram o comprometimento do ex-presidente com a trama. As investigações embasaram uma denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), enviada ao STF em fevereiro de 2025.
Em março, Bolsonaro e os demais acusados de idealizarem e planejarem a ruptura tornaram-se réus no tribunal, que os acusou de cinco crimes, cujas penas, somadas, podem chegar a 43 anos de prisão:
– Organização criminosa armada;
– Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; – Golpe de Estado; – Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; – Deterioração de patrimônio tombado.Para os advogados do ex-presidente, os episódios descritos na denúncia da PGR são políticos e, quando muito, atos preparatórios que não podem ser punidos criminalmente; por sua vez, os documentos que descreviam o plano de ruptura não têm assinatura ou valor de fato. Bolsonaro admitiu ter discutido “possibilidades” com os chefes das Forças Armadas após perder a eleição, mas disse não ter cogitado usurpar a democracia e repete que não há golpe sem tanques de guerra na rua.