‘Adultização’: entenda o que dizem as leis sobre exposição de crianças e adolescentes

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A discussão sobre a exposição e a “adultização” de crianças nas redes sociais ganhou novo fôlego após o influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, publicar um vídeo que atingiu mais de 35 milhões de visualizações em seis dias. A denúncia, que demonstra como as plataformas digitais facilitam a disseminação desse tipo de conteúdo, trouxe o tema para o centro do debate no Congresso Nacional. Nesta quarta-feira, 13, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou o texto que propõe o aumento da pena para o crime de aliciamento de crianças e adolescentes nas plataformas digitais.

Como resultado, o PL 2628/2022, que protege jovens em ambientes digitais, voltou a ganhar destaque na pauta legislativa, levando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a propor a criação de uma comissão geral para debater o assunto e se comprometer a colocar em pauta um projeto de lei sobre a temática.

O projeto, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), já foi aprovado no Senado e aguarda a tramitação na Câmara dos Deputados. O texto tem como objetivo principal impor obrigações aos provedores de serviços e produtos tecnológicos para proteger crianças e adolescentes.

O papel das plataformas digitais

O vídeo de Felca evidencia o papel das redes sociais na disseminação de conteúdos direcionados a crianças e adolescentes. Ao criar um novo perfil “ao vivo”, o influenciador mostrou como o algoritmo das plataformas é facilmente condicionado para exibir e promover um tipo determinado de material.

Para João Francisco Coelho, advogado do Instituto Alana, as plataformas atuam de forma a beneficiar o comportamento de pessoas mal-intencionadas e é essencial definir a atuação “de cada um dos atores na proteção das crianças e garantir que eles cumpram os seus papéis”.

“As plataformas deixam comentários que poderiam ser facilmente identificados como publicações que redirecionam os usuários para outros espaços em que pode ocorrer algum tipo de violência contra menores de idade, e isso ficar no ar sem qualquer tipo de intervenção”, acrescentou.

A denúncia de Felca exemplifica essa falha ao mostrar que comentários em vídeos de crianças frequentemente incluem gifs de “link in bio” que redirecionam para contas no Telegram ou Discord, plataformas em que imagens de violência sexual infantil são facilmente compartilhadas. Ele também apontou o uso do termo “trade” (troca, em inglês), uma gíria comum para a prática.

A Constituição de 1988 já prevê uma colaboração no cuidado de crianças e adolescentes entre a família, a sociedade e o Estado, “o que também deve incluir as empresas digitais”, afirmou Coelho.

O que diz a legislação vigente

Outro fator que contribui para a exposição de crianças nas redes é a monetização. João Francisco Coelho explicou que influenciadores utilizam menores para aumentar as visualizações de suas publicações e, consequentemente, seus lucros. Ele também observou que “muitas famílias também têm pendido aos estímulos criados pelas plataformas digitais e acabam praticamente vendendo imagens de suas crianças para esses espaços”.

A legislação brasileira já possui mecanismos de proteção. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 241-A, pune quem produz, fotografa, filma ou divulga “cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”, seja por meio de sistemas de informática ou redes sociais. Segundo a advogada criminalista Amanda Silva Santos, a pena para tais práticas pode chegar a oito anos de prisão.

O ECA também prevê, no artigo 232, punição para quem submete crianças ou adolescentes a vexame e constrangimento, com pena de seis meses a dois anos de reclusão e multa. A Lei nº 11.829/2008 expandiu o alcance do ECA para crimes cometidos na internet.

Pais e responsáveis que se omitirem no dever de proteger seus filhos podem ser alvos de ações civis e até mesmo perder o poder familiar, conforme os artigos 1.638 e 1.639 do Código Civil.

Hytalo Santos pode ser preso?

O influenciador Hytalo Santos, que foi citado na denúncia de Felca, passou a ser investigado pelo MPPB (Ministério Público da Paraíba) por expor adolescentes em seus vídeos. Desde o dia 8 de agosto, sua conta no Instagram foi suspensa. Na quarta-feira, 12, o órgão entrou com uma ação civil na Justiça solicitando que ele perca o acesso às redes sociais e seja proibido de manter contato com os menores de idade citados no processo.

A promotora Ana Maria França também pediu que os vídeos de Hytalo disponíveis em outras plataformas sejam desmonetizados, impedindo o retorno financeiro com os conteúdos. O deputado federal Reimont (PT-RJ) protocolou um pedido de investigação criminal contra o influenciador e a avaliação de uma possível prisão preventiva.

A advogada criminalista Júlia Cassab esclarece que a prisão preventiva só pode ser determinada com a comprovação da materialidade do crime, indícios razoáveis de autoria e uma justificativa objetiva para a medida.

“Essa suspensão do perfil pode ser interpretada como uma medida que impede, ao menos temporariamente, a continuidade da conduta ilícita”, afirmou.

Ela ressalta, no entanto, que a suspensão não anula a possibilidade de prisão. “Caberá ao juiz avaliar se ainda existe risco concreto às vítimas ou possibilidade de retorno do influenciador à prática dos atos, mesmo após a suspensão das redes”.

O marido de Hytalo, Israel Natan Vicente, defendeu o influenciador publicamente, direcionando críticas a Felca e a outros, embora sem citá-los nominalmente. Ele exaltou o trabalho do marido, destacando sua origem humilde e sua suposta generosidade. Poucas horas depois das publicações, o perfil de Israel também foi removido do ar.

“Eu estou aqui com você. A justiça da terra e a de Deus vai ser feita como sempre foi, e sua volta por cima será tremenda, porque eu sei o Deus que servimos. Te amo. Você nos ensina todos os dias. O que tem, quer que todos tenham. É feliz com a conquista do próximo. Quantas famílias hoje têm um teto ou uma mansão porque você deu sem olhar para você?”, escreveu nos stories.

Caminho para a solução

Na visão de João Francisco Coelho, a solução para a questão da exposição de menores passa pela remoção do estímulo financeiro e um controle mais rígido por parte das plataformas.

Ele citou a Meta, que criou contas para adolescentes, mas incentiva que eles tenham perfis “normais” para produzir conteúdo. Segundo ele, isso demonstra que, para as empresas, o engajamento é mais importante que a proteção dos menores, já que seu modelo de negócio “gira em torno disso”.