Rayssa Leal, de 14 anos, ostenta uma medalha de prata conquistada na Olimpíada de Tóquio, títulos importantes como skatista e milhares de fãs. Endrick, de 15, empilha gols e taças na base do Palmeiras, joga com atletas cinco anos mais velho do que ele e sofre assédio de clubes europeus, mesmo sem ainda ter sequer assinado seu primeiro contrato profissional de trabalho. Kamila Valieva, patinadora russa de 15 anos, enfrenta uma acusação de doping e uma atmosfera pesada em seu entorno.

Esses esportistas têm em comum a pouca idade e o fato de viverem a rotina de um atleta de alto nível ainda adolescentes, antecipando etapas da vida e assumindo compromissos e responsabilidades de gente grande. Nesse contexto, não podem levar a vida de jovem comum. São celebridades que desfrutam dos benefícios dessa vida estrelada, mas sofrem com os dissabores dela.

Comemoram as vitórias e conquistas, mas encaram as frustrações e decepções e estão expostos a cobranças e questionamentos que podem causar sérios impactos em sua saúde mental. É a dualidade do sucesso precoce. “Fama e sucesso podem andar juntos, mas é muito raro que não atrapalhem o desenvolvimento do atleta e, principalmente, a constituição da identidade do indivíduo”, alerta João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista de Psicologia do Esporte.

Cozac avalia que o atleta jovem, que, como todo adolescente, passa por mudanças extremas dentro do panorama psicológico, social, afetivo, familiar, fisiológico e hormonal, tem pouco recursos para lutar contra pressões, tanto externas quanto internas. “O adolescente que tem sucesso e passa a ser reconhecido e vive sob os holofotes da fama tem um desafio maior de manter o seu equilíbrio emocional por causa das expectativas que são geradas e da pressão pela manutenção dos resultados.”

Cozac disse ao Estadão que tem aumentado a procura em seu consultório por atendimento psicológico de pais que buscam entender e tratar os problemas de seus filhos esportistas, sejam eles crianças ou adolescentes.

Para Michelle Rios, psicóloga que já trabalhou no Atlético-MG e Cruzeiro, dependendo do ambiente em que está inserido o atleta adolescente, isto é, do apoio social, interferências de empresários e mídia, estratégias de enfrentamento de estresse, dentre outros aspectos, ele “pode ou não sofrer psiquicamente por fracassos e desilusões, pode sofrer pela adolescência ‘não vivida’ e pelos níveis altos de ansiedade, estresse e frustração”.

Autovalorização exagerada, fixação pelo rendimento, medo do fracasso, estresse psicológico e instabilidade emocional, no entanto, são consequências negativas que o atleta pode vir a sofrer nesta caminhada. Daí a necessidade de mais abraçar do que cobrar.

FENÔMENO PALMEIRENSE

Endrick pode dizer que, por enquanto, só viveu o lado bom da fama precoce. Seus gols em profusão foram determinantes para uma série de títulos na base do Palmeiras, incluindo o da Copa São Paulo de Juniores deste ano, e o transformou em uma celebridade. O atacante ganhou fãs, é assediado por clubes gigantes do futebol europeu, como Real Madrid e Barcelona, a ponto de jornalistas espanhóis virem ao Brasil entrevistá-lo, e se tornou, aos 15 anos, o jogador de futebol mais jovem a fechar um acordo de patrocínio – só pode assinar contrato como jogador profissional quando fizer 16, o que ocorrerá em julho. Ele assinou contrato com a OdontoCompany, maior rede de clínicas odontológicas do mundo. A empresa também patrocina Rayssa Leal, o que prova que as marcas estão de olho nesses jovens talentos.

Graças ao talento descomunal de Endrick, Douglas Santos, pai do garoto, não precisa mais trabalhar. O período de sofrimento da família, muitas vezes sem comida na despensa e geladeira durante a infância do menino, no entorno de Brasília, ficou no passado.

GERAÇÃO JOVEM

No skate, é comum encontrar competidores jovens. A média de idade do pódio do street feminino na Olimpíada de Tóquio, era de 14 anos e 191 dias.

O Brasil, além da “Fadinha”, tem Gui Khury, menino de 13 anos que entrou para o Guinness World Records, o livro dos recordes mundiais, ao se tornar o mais jovem skatista a completar a manobra 1.080 graus no vertical, feito realizado em maio de 2020.

Rayssa, que quando foi ao pódio em Tóquio tinha 13 anos, sempre tem a mãe, Lilian, em sua cola. Ela também é uma espécie de técnica e está com a filha em eventos de patrocinadores e competições oficiais. Quando podem, o pai e o irmão mais novo vão juntos. Por trás desse fenômeno do skate está Tatiana Braga, que vem gerenciando a imagem da atleta.

A expectativa exagerada dos pais em cima dos filhos esportistas, que não existe nos casos de Endrick e Rayssa, pode sepultar a carreira de um atleta na avaliação dos psicólogos do esporte. “Normalmente, o que acontece é que a família acaba se deslumbrando até mais do que o atleta”, ressalta Cozac.

Ele também cita a “aproximação violenta” de empresários e patrocinadores e o uso inadequado das redes sociais como fatores que atrapalham no desenvolvimento do jovem esportista. “Normalmente, atletas jovens ficam muito frustrados quando não há uma resposta social positiva sobre o que efetivamente eles estão produzindo”, adverte.

DOPING

A patinadora russa Kamila Valieva experimentou aspectos nocivos do esporte nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, no mês passado. Aos 15 anos, foi acusada de doping, caiu duas vezes em sua apresentação e chorou depois de terminar em quarto lugar na final da patinação artística feminina. Fora do pódio, ouviu cobranças duras de sua técnica, Eteri Tutberidze. Presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach disse ter ficado “muito perturbado” após assistir às quedas da russa e criticou a “atmosfera arrepiante” no entorno da patinadora.

“Eu vi o quão alta deve ter sido a pressão sobre ela. Essa pressão está além da minha imaginação. Em particular para uma menina de 15 anos, vê-la lutando no gelo, vendo como ela tenta se recompor e terminar seu programa. Você vê na linguagem corporal, isso foi um imenso estresse mental. Talvez ela preferisse deixar o gelo e a história para trás.”

Valieva se viu no olho do furacão após a Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) anunciar que ela havia sido reprovada em um teste no dia 25 de dezembro. O resultado só foi divulgado em 8 de fevereiro, um dia depois de faturar o ouro na prova por equipes em Pequim.