De entre todos os portugueses, amáveis e antigos, que amavam o Brasil havia um, que o amava da mesma maneira que amava a Portugal. Essa cara era, Roberto Leal. Ele era muito legal!

Roberto morreu esta semana, mas a sua morte não é apenas o fim de uma vida humana e boa, ou de uma carreira artística de grande sucesso. Ele representou bem mais que isso. Roberto Leal era o alter ego de um estereótipo que durante muitos anos definiu a imagem de Portugal no Brasil. E, ainda mais importante, retratava a imagem dos portugueses junto dos brasileiros.

Durante muitas décadas — encorajados pela narrativa oficial da ditadura — os brasileiros zombaram, xingaram e “piadaram” tudo quanto quiseram sobre os “portugas”. De uma certa maneira “a menina que quer ser bonita e arrebita, arrebita, arrebita”, era uma imagem de marca, mas também um selo de tranquilidade.

As ditaduras sempre inventam inimigos frágeis e longínquos e, nessa época, os portugueses eram o cimento perfeito para a construção desse faz de conta morno e lânguido, do qual os militares nunca querem que a cultura popular saia.

Um Portugal atrasado, onde o povo era pobre e rural, as mulheres se vestiam de negro, sem saber que existiam
esteticistas, e as estradas, de tão apertadas faziam com que tudo o que era perto, parecesse longe; era a tela perfeita para ajudar à história de afirmação e fortalecimento de um regime.

Juntando a isso a história básica do antigo colonizador, antes bandido, mas agora enfraquecido e pobre, meio Zé do Telhado meio João de Santo Cristo, o apelo era irresistível.

Roberto Leal personificou esse ideário antigo até ao fim e é por isso que a data da sua morte — 15 de setembro — se vai tornar uma efeméride para a história comum dos dois países. Porque ela representa o vértice de uma mudança perene.

O desaparecimento de Roberto Leal coincide com a transformação imparável e Histórica – notem que escrevi Histórica com agá grande — da relação entre Portugal e o Brasil.

A imagem de Portugal no Brasil se alterou definitivamente, desde que a elite, que tolerou, mas nunca se arrebitou com Roberto, viajasse até Lisboa e percebesse que os Jardins têm muito mais que ver com o Chiado, do que com Manhattan.

E Roberto se apaga na altura em que a imagem de Portugal se arrebita. É uma metáfora incrível, de tão simples, para explicar um mundo que termina no tempo real em que outro começa.
Há coisas que acontecem para que se cumpram as profecias. Essa é uma delas. Descansa em paz Roberto. Obrigado. Foi muito legal ter você.