Bolsonaro tenta usar seu suposto apoio popular para evitar o ocaso político. É dessa forma que aliados e adversários enxergam a convocação do ex-presidente para o ato público na avenida Paulista, em São Paulo, a ser realizado no domingo, dia 25. Mais do que avaliar a popularidade em momento em que as investigações da Polícia Federal chegam cada vez mais perto de acusá-lo por vários crimes, o chamamento pretende ser um indicativo para demonstrar, eventualmente, que seu cacife ainda é alto o suficiente para influenciar decisões que o afastem, pelo menos momentaneamente, da cadeia.

O problema será convencer uma gama variada de aliados e simpatizantes que agora se preocupam com o “poder tóxico” de um ex-presidente acusado de tramar um golpe de Estado.

• As primeiras repercussões começam a surgir em São Paulo. Já circulam na Câmara Municipal informações de que os principais aliados do prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, estão aconselhando-o a se distanciar do ex-presidente e a não comparecer ao ato de 25 de fevereiro.

• Os diretórios estadual e municipal do MDB são os quem mais temem a associação com o ex-presidente neste momento. Desde que Marta Suplicy, ex-prefeita da cidade e então secretária de Relações Internacional de sua gestão, decidiu sair para ser candidata a vice-prefeita na chapa de seu adversário, Guilherme Boulos (PSOL), Nunes contava com uma guinada à direita e o apoio de Bolsonaro.

• Como forma de contrapor o apoio do presidente Lula a Boulos, o prefeito pretendia que Bolsonaro indicasse o candidato a vice em sua chapa, com grandes chances de que fosse o PM reformado Ricardo Mello Araújo.

• Com o avanço das operações da PF, essa estratégia começa ser revista. A presença do prefeito no ato de Bolsonaro tem grandes chances de não ocorrer.

Acusado de tramar o golpe, Bolsonaro virou carga tóxica até para aliados
Alexandre Ramagem, investigado pela PF, vê sua candidatura a prefeito do Rio desmanchar (Crédito:Pedro Ladeira)

Em público, Ricardo Nunes afirma que as investigações ainda estão em curso e que o ex-presidente ainda não está sendo acusado e que, portanto, “deve haver a presunção da inocência”.

Muitos atores políticos não viram nessas declarações uma convicção de que o prefeito realmente pense dessa forma, principalmente depois da divulgação dos vídeos das reuniões no Palácio do Planalto em que Bolsonaro incentiva os atos golpistas.

Em silêncio

Sentindo a toxicidade do ex-presidente no ar, governadores de estados outrora aliados e de pensamento conservador mantiveram silêncio estratégico diante das operações da PF contra aliados de Bolsonaro.

Essa falta de defesa indica que o barco do ex-capitão está sendo abandonado, e de forma muito rápida.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo, deputados bolsonaristas não escondem a irritação com a postura do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), então aliado de primeira hora do ex-presidente. Os deputados estão inconformados com o pragmatismo político de Tarcísio, que vem se aproximando do presidente Lula em movimento para atrair verbas para obras no estado.

Foi o caso, por exemplo, do lançamento do projeto do túnel entre Santos e Guarujá, no litoral paulista, uma obra que terá dinheiro do governo federal. Lula e Tarcísio estiveram bem à vontade na cerimônia.

O incômodo é o mesmo em relação a outros governadores bolsonaristas. Chamou a atenção a deferência com que o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), tratou Lula recentemente em Magé (RJ) durante a entrega de obras do programa “Minha Casa, Minha Vida”. O governador fluminense silenciou a respeito das operações da PF contra personagens do entorno do ex-presidente.

Acusado de tramar o golpe, Bolsonaro virou carga tóxica até para aliados
Ricardo Nunes queria um vice indicado por Bolsonaro, mas reavalia participação em ato bolsonarista (Crédito:Marina Uezima )

Em termos eleitorais, a situação é bem mais complicada, já que o candidato bolsonarista a prefeito do Rio, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), é o principal investigado pela PF no escândalo da espionagem a aliados e adversário praticada pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) durante o a presidência de Bolsonaro, o que deve minar suas chances de concorrer.

O mesmo aconteceu na visita do presidente Lula a Minas Gerais na semana passada, quando o governador Romeu Zema (Novo) ficou bem à vontade com o petista. Zema ignorou a defesa do ex-presidente de olho nos R$ 36,7 bilhões previstos para seu estado dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O mineiro também tratou Lula com atenção especial em recente encontro em Belo Horizonte.

Cobrança

Bolsonaro percebeu rapidamente o movimento de afastamento de seus aliados e defecções em suas hostes, iniciando nos bastidores uma série de cobranças por “lealdade”.

Em público, o ex-presidente pediu também que os aliados protestem contra as supostas “perseguições” sofridas por ele. Poucos atenderam os apelos do ex-capitão. Um deles foi Ricardo Mello Araújo, o PM que pode ser vice de Ricardo Nunes.

Ele esbravejou nas redes sociais contra o silêncio de “políticos importantes”, tentando se tornar o porta-voz de Bolsonaro em São Paulo.

Nas redes sociais, cobrou diretamente os governadores. “Os governantes dos estados têm responsabilidade muito grande, muitos foram eleitos nas costas do presidente Bolsonaro. Precisam se manifestar.”

Só o catarinense Jorginho Mello (PL) ousou defendê-lo nas redes sociais.

É muito pouco para quem se diz o grande líder conservador e de oposição no País, mas totalmente enrolado em graves acusações de articular um golpe de estado.