Enquanto em Brasília se desenrola a CPI das Criptomoedas, no Rio de Janeiro a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) prepara o julgamento de Glaidson Acácio dos Santos, o “Faraó dos Bitcoins”, marcado para a próxima terça-feira, 29. Ex-garçom e ex-pastor, Santos pilotou, a partir de Cabo Frio (RJ), um esquema que movimentou R$ 38 bilhões e deixou prejuízo estimado em R$ 9,3 bilhões.

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O relator do caso é o presidente da autarquia reguladora do mercado de capitais, João Pedro Nascimento. Especialistas ouvidos pelo Broadcast não têm dúvidas de que Santos será condenado, por unanimidade, pelo Colegiado da CVM.

No mês que vem, no dia 5, será a vez do “Rei do Bitcoin”, Cláudio José de Oliveira, cuja fraude – com simulações de negociações de criptomoedas – é estimada em R$ 1,5 bilhão. O esquema de Oliveira, com sede em Curitiba, começou a ser investigado em 2019. No ano seguinte, as investigações identificaram que o grupo negociava, por oferta pública, contratos de investimento coletivo sem registro junto à CVM.

A acusação da CVM contra o “Faraó” responsabiliza Santos por infrações graves: operação fraudulenta e realização de oferta de valores mobiliários sem a obtenção do registro e sem a dispensa. As acusações também pesam sobre sua esposa, a venezuelana Mirelis Zerpa, que está foragida, e sua firma, G.A.S. Consultoria e Tecnologia.

Santos está preso desde agosto de 2021, quando a operação Kryptos, da Polícia Federal, estourou seu esquema de pirâmide financeira travestido de investimento em bitcoins. A G.A.S. movimentou R$ 38 bilhões por meio de pessoas físicas e jurídicas no Brasil e no exterior. O negócio prometia retorno médio de 10% ao mês por 12 meses.

Quando o negócio ruiu, deixou prejuízo estimado em R$ 9,3 bilhões. Mais de 127 mil investidores estão cadastrados para tentar recuperar suas aplicações. A G.A.S., tratada em denúncia do Ministério Público Federal (MPF) como “instituição financeira ilegal”, teve a falência decretada em fevereiro deste ano.

Depoimento à CPI

Ouvido em sessão da CPI das Criptomoedas em 12 de julho, por videoconferência, Santos negou que sua empresa fosse fachada para um esquema de pirâmide financeira. Afirmou que a garantia de retorno se apoiava na “experiência da empresa”.

O “Faraó” contou na CPI que os clientes não compravam criptomoedas diretamente. Em vez disso, pagavam pelos serviços de “traders”, que por sua vez investiam em criptoativos.

A peça de acusação da CVM reproduz a denúncia do MPF ao apontar a trilha nebulosa das aplicações: “Não há nenhum documento contábil que demonstre o valor obtido ou despendido pela G.A.S Consultoria nas operações de compra e venda de criptoativos, nem em quais ativos estão os recursos investidos ou em nome de quem estão custodiados”.

Parte do dinheiro abastecia a conta particular de Santos. Nos dias 1 e 2 de agosto de 2019, ele recebeu R$ 905 mil de sua firma. Já em 1º de abril de 2021, a G.A.S. transferiu para a empresa MYD Zerpa, de Mirelis Zerpa, R$ 25,4 milhões. Imediatamente, a MYD ZERPA dispersou mais de R$ 24 milhões entre diversas empresas recém-criadas, a maior parte em Cabo Frio. Identificados, os donos das contas também foram denunciados.

As investigações da PF indicaram que Santos era responsável pela parte comercial do esquema, buscando novos investidores e liderando os outros integrantes encarregados de captar recursos. Mirelis Zerpa, com amplo conhecimento sobre criptomoedas, ficava com as operações. Após a deflagração da operação Kryptos, “foi ela quem realizou diversos e sucessivos saques”, que somaram R$ 1,063 bilhão, aponta a denúncia do MPF.

Santos alegou na CPI que não conseguiu honrar seus compromissos por culpa da PF: “A empresa [G.A.S.] não deixou de pagar os seus clientes. Ela foi violada pela PF e paralisou as suas operações”. A firma “nunca atrasou [nem] um dia em nove anos de operação”, assegurou. “Sempre pagamos adiantado aos nossos clientes. Desbloqueando os recursos que estão nas plataformas e pegando o que foi sequestrado pela PF, a G.A.S. tem toda a condição de retornar às atividades.”

Emissão pública

Embora as investigações da PF e a prisão de Santos remontem a 2021, a CVM só entrou no caso em setembro do ano passado, quando se verificaram indícios de operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários.

Em 2019, quando foi feita uma denúncia contra o “Faraó”, a reguladora do mercado de capitais entendeu que “se trataria puramente de esquemas fraudulentos” – portanto, fora de seu perímetro regulatório. Após ter acesso a provas obtidas pelo MPF e a PF, a CVM reviu a interpretação e reabriu o processo.

A acusação frisa que o esquema de Santos se enquadra como emissão pública, já que fazia anúncios destinados ao público, buscava subscritores por meio de empregados, agentes ou corretores; e usava serviços públicos de comunicação para concretizar suas ações.

Para especialistas ouvidos pelo Broadcast, o que surpreende no caso é o fato de que o grupo conseguiu movimentar cifras robustas sem chamar a atenção dos bancos que recebiam os depósitos e faziam os pagamentos. A ideia é que o Banco Central poderia impor filtros mais apertados para fluxos de dinheiro envolvendo exchanges (corretoras de criptomoedas).