O atacante Karim Benzema, do Real Madrid, provocou uma enorme controvérsia ao justificar sua ausência na Eurocopa por “pressões” que o técnico Didier Deschamps teria recebido “de uma parte racista da França”.

À pergunta “você acha que Didier Deschamps é racista”, o jogador de 28 anos respondeu, em entrevista ao jornal espanhol Marca: “não, acho que não. Mas ele cedeu à pressão de uma parte racista da França”, disparou o camisa 9, citando o “partido extremista” Frente Nacional, de extrema-direita, que vem ganhando cada vez mais força no país.

Maior artilheiro em atividade da seleção francesa, com 27 gols em 81 jogos, Benzema foi afastado por ter sido indiciado pela justiça francesa por chantagem com vídeo íntimo contra outro jogador dos ‘Bleus’, Mathieu Valbuena, que também está fora da Euro.

Com o Real, foi titular na final da Liga dos Campeões, vencida nos pênaltis contra o Atlético de Madri, no último sábado, em Milão.

Foi inicialmente para falar sobre essa conquista que jornalistas do Marca foram entrevistá-lo, na sua cidade natal de Lyon.

O impacto da entrevista acabou muito maior do que esperado, ganhando repercussão mundial. A justificada dada pelo atacante pela não convocação à Eurocopa desencadeou uma enxurrada de reações de repúdio, inclusive do governo francês.

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O mistro dos Esportes, Patrick Kanner, considerou as declarações “inaceitáveis”.

“Acho isso insuportável. Resumir sempre todos problemas do país a questões de raça, religiões, etnias e comunidades não é saudável”, disse por sua vez o ex-primeiro ministro François Fillon, do partido de oposição Les Républicains (direita), à Rádio RTL.

O número dois da Frente Nacional, Florian Philippot, preferiu dar seu recado ao jogador via Twitter. “O povo francês não merece suportar suas acusações indignas só porque você foge das suas responsabilidades”, rebateu.

Já o deputado Benoît Hamon, dissidente do Partido Socialista do presidente François Hollande, concedeu em entrevista à Rádio Europe 1 que o atacante “teve razão de dizer que estamos em um país onde o racismo aumenta.

“É a primeira vez que vejo Karim Benzema se interessar na questão do racismo”, disse à AFP o presidente da ONG SOS Racisme, Dominique Sopo, denunciando “um certo grau de narcisismo”.

‘Força tranquila’

Apesar da polêmica, Benzema fez questão de mostrar que não se sente abalado pelas críticas. No final da tarde, postou na sua conta do Instagram uma foto dele mesmo olhando para a tele do computador, com a legenda: “Força tranquila”.

Não se sabe se a frase tem inspiração política, mas o fato é que foi o slogan de campanha do ex-presidente de esquerda François Mitterand (1981-1995).

Na Áustria, onde a seleção francesa está concentrada para preparar o torneio, o jovem atacante Kingsley Coman não poupou críticas ao ex-companheiro.

“O que ele falou não faz sentido Na nossa equipe, temos muitas pessoas de cor e de várias origens. Não vejo onde está o racismo”, afirmou a promessa do Bayern de Munique, que completará vinte anos no dia 13 de junho.

Dos 23 jogadores convocados para a Euro, 12 são negros, como Coman, e um é de origem marroquina, o zagueiro Adil Rami, do Sevilla.


Os outros dois jogadores que falaram em entrevista coletiva, Blaise Matuidi e Antoine Griezmann, não quiseram responder às perguntas sobre Benzema.

O presidente da Federação Francesa de Futebol, Noël Le Graët, que foi responsável pela decisão de afastar Benzema da seleção depois das acusações de chantagem, fez questão de sair em defesa de Deschamps, ao julgar a conduta do treinador “irrepreensível”.

“Eu gosto de Karim, mas ele se deixou levar um pouco. Eu acharia melhor se fosse mais educado”, comentou o dirigente, antes de ressaltar que prefere que “não se fale mais sobre essa pequena divergência”.

‘Besteiras’

Na verdade, a polêmica já tinha começado antes mesmo da entrevista bombástica de Benzema. Na última sexta-feira, o ex-craque francês Eric Cantona já tinha acusado Deschamps de racismo, em coluna publicada no jornal inglês The Guardian.

O ídolo do Manchester United, que é casado com a atriz Rachida Brakni, de pais argelinos, lamentou a não convocação de Benzema e de Hatem Ben Arfa, um dos destaques do último Campeonato Francês, e alegou que ambos “pagaram pelas origens norte-africanas”.

Um dos comediantes mais populares da França, Djamel Debbouze, de origem marroquina, usou na segunda-feira um argumento parecido ao afirmar que eles “pagaram pela situação social do país”.

Mais tarde nesta quarta-feira, Cantona voltou a defender Benzema. “É normal que ele se expressa e como cidadão francês antes de pensar como jogador. Um cidadão que responde à pergunta seguinte: como barrar os extremos?”, argumentou.

Sobre as acusações de que Benzema e Ben Arfa “pagaram pelas origens norte-africanas”, Cantona esclareceu: “não estou afirmando nada, estou questionando”.

“De um ponto de vista esportivo, não entendo o porquê (da não convocação) e de do ponto de vista judicial, eu ainda não fui julgado”, alegou Benzema na entrevista ao Marca, reiterando sua vontade de voltar a atuar pela seleção.

“As acusações de racismo são falsas desculpas, besteiras. Pode ter um efeito muito negativo sobre jovens”, lamentou em entrevista à AFP Mahamadou Niakate, diretor do clube Les Ulis, no subúrbio de Paris, onde Anthony Martial e Patrice Evra, dois integrantes da seleção atual, jogaram na infância, assim como o ex-craque Thierry Henry.

“É uma hipocrisia dizer ‘olha, a seleção francesa não é racista porque tem negros”, ponderou Mustapha Sabil, técnico de times amadores na periferia da capital francesa.


“Benzema é campeão europeu com o Real, mas está fora da Euro. O que é grave é que, para a garotada, isso reforça a ideia de que, se você é árabe ou negro e vem de um bairro pobre, precisa ir para o exterior para ser reconhecido”, lamentou Amadou Cissé, presidente do Etoile club de Bobigny, outro pequeno clube do subúrbio parisiense.

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