O Campeonato Brasileiro deste ano é a primeira competição em nível nacional a adotar novos critérios de arbitragem da International Football Association Board (Ifab), da Fifa e da própria CBF. No início deste ano, a entidade estimulou que o quadro fosse mais combativo na reclamação de jogadores e comissão técnica no campo de jogo. Indicou também que a arbitragem fosse mais generosa nos acréscimos, compensando paradas para, além de atendimento médico e substituições, comemorações dos gols.

Essas novidades já eram tendência na última Copa do Mundo, disputada no Catar. A competição foi o primeiro Mundial a adotar punições com cartões vermelhos e amarelos à comissão técnica e ditou a “moda” que segue no Brasileirão deste ano: longos períodos de acréscimos ao final de cada tempo.

De acordo com levantamento do Estadão, completada a nona rodada do Campeonato Brasileiro, cerca de 13 minutos a mais são acrescidos em média ao tempo de jogo. Isso equivale a 15% do tempo total do jogo. Wilton Pereira Sampaio e Raphael Claus, árbitros brasileiros que atuaram no Catar, acrescem dez e 12 minutos, em média.

A cada súmula, disponibilizadas na íntegra no site oficial da CBF, os árbitros apontam quais foram os principais pontos que determinaram o acréscimo no tempo de jogo. Wilson Seneme, chefe da comissão de arbitragem, afirmou ao Estadão que a entidade enxerga com bons olhos esses parâmetros adotados a partir deste ano. De acordo com ele, o futebol brasileiro passa a estar alinhado com as tendências da Fifa.

“Estamos super felizes com o que os árbitros têm feito, e que é uma estratégia nossa. Posso garantir que o Brasil, juntamente com a Fifa, é um dos poucos países que coloca esse tipo de instrução na prática, ou seja, um acréscimo elevado, de acordo com a perda de tempo que os jogadores têm. Isso tem sido algo positivo no futebol brasileiro e, o mais interessante, em todas as divisões e em todas as categorias”, afirma.

Seneme esteve presente no último Mundial, in loco, por ser membro da comissão de arbitragem da entidade máxima do futebol. “Nós vimos acréscimos de seis, sete, oito, até dez minutos, tanto na Série A do Campeonato Brasileiro quanto nos jogos da Série D, por exemplo. Isso é muito importante porque é uma instrução universal”, continua.

O tempo de jogo é uma questão importante para a Fifa e a Ifab há tempos. Neste ano, em reunião, foi discutida a possibilidade de acabar com os 90 minutos do tempo regulamentar e a possibilidade de o relógio parar quando a bola sair de campo, a exemplo de outras modalidades, como o basquete. As medidas não foram adotadas, mas seguem como possibilidade para o futuro.

Manoel Serapião Filho, ex-árbitro da Fifa e autor do projeto VAR, adotado pela Fifa na última década, é um dos críticos desse modelo de acréscimo adotado atualmente. “Uma coisa é contabilizar momentos de clara paralisação do jogo. Outra é medir coisas pequenas, como tempo de cobrança de tiro de meta ou lateral. Isso fere a essência do futebol e transforma o árbitro em contabilista”, afirma, ao Estadão.

O tempo de comemoração de gols passou a ser um critério para o acréscimo no tempo do jogo a partir desta temporada. Foi determinado na última reunião entre Ifab e Fifa. A partir da próxima temporada europeia, 2023/2024, os árbitros deverão ter isso em mente na adoção dos acréscimos. No Brasil, a medida já está em vigor desde o início do Brasileirão.

“Se os jogadores comemorarem dentro da própria essência do jogo, não exagerarem, não há necessidade de acrescer este tempo ao final da partida”, pontua Serapião. Não é raro observar mais de dez minutos acrescidos ao fim de cada tempo nas partidas do Brasileirão. O recorde até a nona rodada em um só tempo foi a partida entre Cruzeiro e Fluminense, em que o árbitro Flávio Rodrigues de Souza acresceu 14 minutos na segunda etapa.

Essa tendência da Fifa se mostra na média dos árbitros do Brasileirão. Paulo Cesar Zanovelli, Edina Alves e Anderson Daronco, todos com licença da CBF, são os três que mais acresceram tempo ao final de cada etapa – entre 14 e 15 minutos, em média.

QUINTO ANO DO VAR

Adotado pela Fifa no Mundial de 2018, o VAR foi testado pela CBF na Copa do Brasil do mesmo ano e, a partir da temporada seguinte, utilizado à exaustão no Campeonato Brasileiro. Serapião, autor do projeto que foi adotado pela entidade máxima do esporte, não previa o recurso do monitor no campo de jogo para que a arbitragem fosse capaz de revisar os lances com o recurso das câmeras de vídeo.

“A adoção do monitor criou um ‘elefante branco’ ao meu ver porque diverge do conceito de erro claro da arbitragem. O VAR passou a chamar o árbitro para rever lances em que é necessário uma interpretação, sendo que esse não é o conceito original”, afirma Serapião.

Vale ressaltar que houve uma redução no tempo que o VAR leva para realizar as checagens de vídeo. Seneme destaca a evolução da operação das cabines de vídeo. “Os avanços do VAR são muito claros e os números representam isso. Não houve uma mudança de perfil ou de regra do jogo e, sim, pelo bom entendimento do critério de correta linha de intervenção que o VAR deve exercer sobre o jogo.”

Um dos planos da comissão de arbitragem da CBF foi designar árbitros específicos e exclusivos para a operação do VAR. Wagner Reway, por exemplo, é um dos nomes que deixou o campo de jogo para se concentrar exclusivamente no recurso de vídeo. “Antes havia uma rotatividade muito grande, o que acabava não desenvolvendo profundamente todos os árbitros. Hoje, temos um grupo reduzido, porém muito mais especializado no trabalho de VAR e isso tem dado uma qualidade melhor neste ano”, destaca Seneme.

“Alcançamos uma interpretação melhor das jogadas. Isso faz com que essas ferramentas de treinamento com jogadores, de simulações com o VAR, nos dê uma prática maior. Entendemos que saímos da teoria e hoje temos árbitros muito mais práticos do que teóricos.” Novos árbitros, ainda obtendo experiência no Brasileirão, foram lançados por Seneme. Ex-árbitros, ouvidos pela reportagem do Estadão, destacam como um ponto positivo da liderança de Seneme.

Até o momento, 22 juízes diferentes apitaram os 90 jogos da Série A – uma média de um juiz a cada quatro partidas. Braulio da Silva Machado, árbitro Fifa, foi o que mais trabalhou neste início de Brasileirão, tendo arbitrado oito partidas. Rafael Rodrigo Klein e Raphael Claus ficam logo atrás, com sete jogos cada.

VÍDEOS CBF TV

Novidade para este ano, as revisões do árbitro de vídeo passaram a ser anunciadas nos alto-falantes e telões do estádio. É uma forma encontrada pela entidade para solucionar e clarificar a atuação do VAR e da arbitragem no País. De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, é reflexo de uma tendência da CBF de proteger seu corpo de árbitros, desde que Leonardo Gaciba foi chefe da comissão.

“A transparência é a chave. Quanto mais nós demonstrarmos transparência para o público em geral, maior vai ser a credibilidade que iremos obter. Todos os recursos que temos utilizado, em nenhuma parte do mundo, nem mesmo na Fifa, acontece da forma como fazemos”, ressalta Seneme.

Lances polêmicos de cada rodada são revisados no programa “Papo de Arbitragem” por Seneme e postados, com a análise do chefe da comissão, nos canais oficiais da entidade. Também são reveladas conversas entre a cabine do VAR e o árbitro de campo, para entender como se deu o diálogo na revisão de lances polêmicos na partida.

“Ele tem o sentido didático de demonstrar a correta interpretação que vem da Fifa das regras do jogo, os áudios públicos. Quando a Fifa nos permitir, queremos que as decisões sejam tomadas pelos árbitros ao vivo nos estádios, com os áudios ao vivo. Tudo que for para dar mais transparência e humanizar a atividade dos árbitros, vamos fazer”, afirma Seneme.

Na maioria das vezes, há um consenso entre as partes – comissão de arbitragem e revisão do VAR. “Há uma ideia, muito clara com Gaciba, de preservar o árbitro. Nomes de peso, como os de Daronco, Claus e Wilton Pereira Sampaio, não serão punidos por erros pontuais, mas em outros casos a CBF deve chamar os árbitros para instruí-los, mas preservando seu trabalho”, destaca Serapião.

CARTÕES AMARELOS E FALTAS

No início do Brasileirão, os árbitros foram instruídos a serem mais punitivos com reclamações de jogadores e comissão técnica nos jogos. Dos dez árbitros que mais apitaram partidas neste ano, Paulo Cesar Zanovelli da Silva é o que mais aplica cartões amarelos a cada partida (média de 7,6 por jogo). Em número de faltas por jogo, três árbitros ficam empatados. Bruno Arleu de Araújo, Rafael Rodrigo Klein e Braulio da Silva Machado. Destes, Braulio é o único com licença da Fifa.

O clássico entre Atlético-MG e Cruzeiro, no último domingo, foi o que registrou o maior número de cartões (12). Sávio Pereira Sampaio ficou responsável pela arbitragem em campo. O árbitro apitou outros quatro jogos, além do clássico mineiro.