O governo britânico defendeu nesta quarta-feira (9) a sua decisão de reverter alguns compromissos assumidos no âmbito do Brexit, em uma suposta violação do direito internacional, o que dificulta ainda mais as já complexas negociações com a União Europeia (UE) sobre a sua futura relação.

Publicadas no início da tarde, as alterações visam “garantir a fluidez e segurança do nosso mercado interno britânico”, explicou o primeiro-ministro Boris Johnson aos deputados.

No que diz respeito, em particular, aos regimes aduaneiros na Irlanda do Norte, destinam-se a facilitar o comércio dentro do Reino Unido após o final do período de transição pós-Brexit, que terminará no final de dezembro.

Mas, ao modificar um documento com status de tratado internacional, o texto “viola o direito internacional de uma forma muito específica e limitada”, como admitiu o próprio ministro responsável para a Irlanda do Norte, Brandon Lewis.

O projeto de lei britânico “violaria o direito internacional e minaria a confiança” entre os dois parceiros, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

A mudança surpreendente de Londres acrescenta combustível às já difíceis negociações com a UE sobre um acordo comercial pós-Brexit. Expõe Londres a “graves consequências” de Bruxelas, advertiu o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli.

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O vice-primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, comparou a manobra do governo britânico a um ato “suicida”, que “saiu pela culatra”, desencadeando uma onda de reações negativas.

Criticado até em seu próprio campo, inclusive pela ex-chefe de Governo Theresa May, Boris Johnson defendeu seu projeto diante dos deputados durante a sessão semanal de perguntas ao primeiro-ministro.

O líder dos separatistas escoceses do SNP na Câmara dos Comuns, Ian Blackford, acusou-o de se considerar “acima da lei”.

– Barnier quer explicações –

Enquanto defende sua manobra, o governo conduz uma delicada oitava sessão de negociações com a UE, que teve início na terça-feira e deve prosseguir até quinta-feira.

Em Londres, o negociador da UE Michel Barnier buscará esclarecimentos sobre os últimos desenvolvimentos.

“Estamos com um espírito construtivo, mas firmes”, disse à AFP o secretário de Estado francês para Assuntos Europeus, Clément Beaune, em coletiva conjunta com seu colega alemão, Michael Roth, em Berlim.

No texto original, o protocolo norte-irlandês visa garantir a ausência de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, membro da UE, e evitar tensões nesta região, marcada por três décadas de agitação até a assinatura dos Acordos de Paz da Sexta-feira Santa em 1998.

O retorno dos controles alfandegários aumenta os temores de novas tensões na província britânica.

Trata-se de “proteger o nosso país da interpretação extrema ou irracional do protocolo, que poderia conduzir a uma fronteira no Mar da Irlanda de uma forma que, na minha opinião, seria prejudicial para os interesses do acordo da Sexta-feira Santa e prejudicial aos interesses da paz em nosso país”, defendeu Johnson.


O Reino Unido deixou formalmente a UE em 31 de janeiro, quase quatro anos após um referendo que marcou o fim de 46 anos de um casamento difícil.

Mas o país de seguir as regras europeias até o final de dezembro, um período de transição durante o qual as duas partes tentam concluir um acordo de livre comércio. O resultado das negociações permanece incerto.

Antes do início da oitava rodada de negociações, o negociador britânico David Frost pediu à UE que “seja mais realista sobre o status de país independente” do Reino Unido.

As negociações esbarram, em particular, na pesca e nas condições de concorrência.

O tempo está acabado. Bruxelas quer um acordo até o final de outubro para permitir a ratificação a tempo.

O primeiro-ministro Boris Johnson, por sua vez, alertou que, na falta de um acordo até a reunião de cúpula europeia de 15 de outubro, ele ficaria satisfeito com um “no deal”, apesar dos riscos econômicos.


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