Existe alguma coisa em comum entre Bolsonaro, os golpistas e Daniel Alves.

Um parafuso a menos, dirão alguns.

Mas não é isso. Ou não apenas isso.

O que parece existir, é que em algum ponto da história pessoal de certos indivíduos, o entorno, as informações, a percepção do mundo, entrega uma leitura equivocada sobre as consequências de seus atos. Não. Não era assim há uns 30 anos.

Contraventores, criminosos e pilantras em geral, tentavam encobrir seus rastros. Hoje não mais.

O que mudou? O que leva gente famosa e anônima a gestos que evidentemente vão contra as convenções sociais, as leis ou o mero bom senso?

Isso se partirmos da presunção de inocência, que é o que resta até provas em contrário.

Assim, Bolsonaro teria se convencido de seus ideais a tal ponto, que deixou de lado a capacidade de avaliar as opinões contrárias as suas próprias crenças.

Deixou de lado a verdade inequívoca da eficiências das vacinas, para citar o exemplo mais óbvio.

Se convenceu, e tentou convencer, que urnas eletrônicas eram fraudulentas.

Acreditou que existia um complô do STF contra ele.

Tudo, claro, se imaginarmos – me chame de ingênuo – que nada disso foi movido por simples má fé.

Os golpistas de 8 de janeiro idem.

Milhares de cidadãos de bem – eu, novamente, me esforçando em ser ingênuo – tomaram Brasília de assalto certos de que tinham suas razões, munidos das informações que optaram por acreditar e que jamais seriam confrontados com outra realidade e as leis. Daniel Alves, caso sejam comprovadas as acusações que recaem sobre ele, estava seguro que não seria cobrado por seus atos.

O resto de nós pergunta:

– Mas espere… em nenhum momento essa gente, seja o presidente da República, sejam os anônimos que o seguem, seja uma celebridade do esporte, tiveram alguma dúvida de que seriam descobertos em seus atos ilegais, imorais ou criminosos?

O que leva tanta gente a acreditar esta acima do bem e do mal?

Não se trata de um fenômeno local. Esses são apenas três exemplos brasileiros que encontram paralelo no mundo todo.

Gente como Trump, como Madoff, como Harvey Weinstein, ou os terroristas que invadiram o Capitólio estão se proliferando pelo mundo. Não é um fenômeno local. É temporal.

Os vilões do mundo se convenceram de que podem sair ilesos.

Estão todos certos que podem torcer as normas sociais em seu favor.Não era assim.

O que mudou na Cultura do mundo para criar essa auto-presunção de inocência?

No passado recente, culpávamos a lentidão da Justiça e as falhas do sistema que permitiam criminosos escaparem sem punição.

Mas nem mesmo essa desculpa existe mais.

Pelo contrário.

Nunca se prendeu tanta gente poderosa como nos últimos anos.

Aqui e lá fora.

A Lava Jato – com todos os seus infinitos erros – prendeu CEOs e políticos como nunca.

Uma fila de governadores cariocas foi em cana sem dó nem piedade.

Figurões norte-americanos e europeus terminaram atrás das grades.

O próprio Madoff – ex-presidente da NASDAQ – está preso pelo resto da vida.

E, mesmo assim, um tipo peculiar de ser humano acredita que não será descoberto.

Não se preocupa em esconder suas digitais.

Enquanto o Mensalão era descoberto, o Petrolão era arquitetado.

Como se não lessem a folha policial, cresce o número de indivíduos que ainda acreditam poder viver acima das leis, independente de fama, poder ou dinheiro.

Será outra consequência das redes sociais?

As mesmas redes que criam um Universo paralelo de informação, alimentam a crença de se estar acima das leis?

Bolsonaro, os terroristas de 8 de janeiro, Daniel Alves (se comprovados seus atos), devem enfrentar o rigor da Justiça.

Resta a nós pressionar para romper essa percepção de inocência com o rigor da lei.

Fotos no Instagram e mensagens no WhatsApp não podem ser argumentos maiores do que os fatos.

Se o algoritmo criou a sensação de impunidade, a sociedade terá que corrigir essa distorção, custe o que custar.