A decisão do Ibama de destinar R$ 19 milhões de um processo de conciliação de multa ambiental para a Polícia Militar (PM) de São Paulo foi parar na Justiça. Na noite desta segunda-feira, 8, parlamentares do PSOL protocolaram uma ação popular na Justiça Federal de São Paulo, para pedir anulação imediata do acordo que o Ibama firmou com a empresa Log-in, responsável por repassar os recursos.

Na ação assinada pela bancada paulista do partido – Luiza Erundina, Talíria Petrone, Sâmia Bomfim e Ivan Valente -, os parlamentares mostram que praticamente 90% dos recursos acordados no processo de conciliação de multa por infração ambiental cometida pela empresa foram destinados aos militares, contrariando regras federais de destinação desses recursos.

Em agosto de 2017, a empresa de logística Log-in envolveu-se em um incidente ambiental em Santos (SP), o que resultou na queda de 47 contêineres de um de seus navios (Log-in Pantanal) no mar. A empresa sequer conseguiu recuperar todos os volumes lançados no oceano. O Ibama, então, aplicou 48 autos de infração contra a empresa.

A Log-In chegou a fazer o pagamento de 18 multas, no valor de R$ 30 mil cada uma. Os demais 30 autos de infração, porém, ficaram pendentes para decisão judicial. Como o valor previsto de cada uma das multas pendentes era de R$ 495 mil, a dívida totalizada 35,055 milhões. Após firmar um acordo com o Ibama, porém, foi acertado o pagamento de R$ R$ 22,447 milhões pelos danos causados.

A PM de São Paulo, porém, foi escolhida como a maior beneficiária desses recursos, enquanto o Ibama enfrenta dificuldades para pagar a gasolina de suas caminhonetes e vê suas bases locais em situação crítica, por falta de recursos.

As distribuir o dinheiro, o órgão, que passou a ser tutelado por uma série de militares escolhidos a dedo pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aliado de primeira ordem do comando da PM paulista, decidiu que R$ 19,029 milhões – quase 90% do total – seriam destinados à Polícia Militar de SP. Também decidiu que R$ 1,900 milhão iria para o Ibama e R$ 1,316 milhão para o Ministério do Meio Ambiente construir uma “sala de situação”.

A ação judicial lembra que, atualmente, há nada menos que 13 cargos comissionados e de comando do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) ocupados por policiais militares e do Corpo de Bombeiros escolhidos por Salles.

“Essa lista evidencia a ligação direta do Ministro Ricardo Salles com a Polícia Militar do Estado de São Paulo e, por decorrência, o caráter eminentemente político do acordo substitutivo aqui questionado. O acordo, que é ilegal e se choca com os princípios que norteiam a Administração Pública, segue a lógica de beneficiar aliados, e não de contribuir para a política ambiental e o governo federal, o que configura clara violação ao princípio da impessoalidade e de desvio de finalidade”, afirma a peça jurídica, à qual a reportagem teve acesso.

O acordo questionado permite ao Ibama abrir mão de recursos essenciais para a política ambiental. A divisão dos recursos deixa de fora, por exemplo, a destinação prevista para o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), conforme estabelecido em lei. Também deixam de ser destinados recursos para o Tesouro Nacional, para um conjunto de políticas públicas.

Os recursos do FNMA, segundo lei que rege o assunto (14.066/2020), afirma que os recursos devem ser aplicados, prioritariamente, em ações que envolvam unidade de conservação; educação ambiental; manejo e extensão florestal; controle ambiental; aproveitamento econômico racional e sustentável da flora e fauna nativas; e recuperação de áreas degradadas por acidentes ou desastres ambientais.

“No lugar, pelo acordo, a maior parte dos recursos será destinada à PM do Estado de São Paulo. A decisão sobre a aplicação dos recursos do Programa de Conversão de Multas é técnica, não política. A destinação de recursos à PMSP jamais poderia constituir serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Por igual, tal destinação não gera qualquer benefício ao meio ambiente”, declaram os parlamentares. “Resta plenamente comprovada a ilegalidade do ato, pugnando-se por sua total declaração de nulidade. A manutenção de tal acordo representa risco de dano irreparável à Administração Pública, além de materializar mais e mais o completo desvio de finalidade.”

A reportagem questionou o Ibama sobre o assunto. Não houve manifestação até a publicação desta matéria. O órgão só tem autorização de se posicionar após submeter cada pedido de informação ao Ministério do Meio Ambiente. Um tipo de lei da mordaça foi imposta ao órgão pelo MMA, que controla o que deve ou não ser informado pelo órgão ambiental.