Quando o ciclo da cana-de-açúcar terminou e o último engenho foi fechado, nos anos 1990, a paraense Igarapé-Miri, distante 150km da capital Belém, formou um mutirão com parte de seus 60 mil habitantes e resolveram investir em uma palmeira nativa, o açaí. A aposta transformou a cidade em “capital mundial” do fruto, chamado de “ouro roxo da Amazônia” ­— tudo se aproveita dele, que tem o consumo crescente ano após ano, com significativos 49% de aumento em 2023.

Igarapé-Miri responde por mais de 20% da produção nacional, que chega a um milhão e seiscentas mil toneladas anuais, com geração de estimados R$ 6 bilhões. A extração criou 25 mil empregos diretos, e as 118 indústrias paraenses dedicadas ao processamento geram postos de trabalho para cerca de 5 mil famílias, entre funcionários, agricultores, caminhoneiros, barqueiros e carregadores.

O Pará, um dos nove estados da Amazônia Legal, é o centro mundial da cultura do açaí — 90% da produção vem de seus 114 municípios que cultivam o fruto. Esse volume foi adquirido praticamente sem esforço, pois o açaizeiro brota naturalmente às margens dos rios. Precisa de muita água para dar frutos, cerca de 120 litros por dia. Lá, encontra as condições ideais para proliferar.

Outra característica local ajuda no incremento da produção. Pelo Código Florestal Brasileiro, todo imóvel rural na região amazônica deve manter percentual mínimo de 80% de cobertura de vegetação nativa. O açaí é uma planta do bioma e também é usado no reflorestamento.

Açaí: o ouro roxo que move o Pará
O famoso mercado Ver-o-peso, na capital Belém, tem a Feira do Açaí, que passou a atrair tanto comerciantes da fruta quanto turistas interessados em ver o produto em estado original (Crédito:Rubens Chaves)

Só que nem tudo são flores nas árvores frutíferas.

• Biólogos apontam que a tendência à monocultura causa danos à biodiversidade.

• Samaúma e jatobás, típicos da região, começam a rarear entre vastos terrenos de produção do fruto.

•Há também a precariedade na colheita, realizada pela comunidade ribeirinha. São os chamados peconheiros, que utilizam espécie de corda enrolada nos pés, a peconha, para escalarem árvores de até 25 metros. Além das quedas, há casos de picadas de insetos, cobras e ferimentos por faca.

Perigos ignorados, já que, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção representa 70% da fonte de renda da população ribeirinha do Pará.

“Ações coordenadas resultariam em geração de valor ambiental, social e econômico muito maior.”
Nazareno Alves, presidente da Associação de Produtores da Amazônia

Açaí: o ouro roxo que move o Pará
Nazareno Alves, presidente da Associação de Produtores da Amazônia (Crédito:Divulgação)

Riqueza x infraestrutura

“O aumento de demanda colabora com o preço de venda para os produtores. Porém, ainda há um grande trabalho sobre questões estruturais na cadeia para que tenhamos maior valor gerado. Políticas públicas que promovam educação profissionalizante, aloquem investimentos de infraestrutura logística, segurança rodoviária e fluvial, pesquisa e inovação”, diz Nazareno Alves, presidente da Associação de Produtores de Açaí da Amazônia.

Se o consumo no Brasil cresceu 49%, a exportação também é galopante. A Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas registra que entre 2011 e 2020 a venda externa saltou de 41 toneladas anuais para 6 mil — 14.380% de crescimento. “Até 2019, exportávamos muito pouco. Hoje, 30% do que produzimos vai para o exterior. E o consumo aqui cresce acima de dois dígitos desde essa época também”, diz Marco Petry, diretor da Frooty, maior vendedora global da fruta.

O truque para que se tornasse produto de exportação vem da composição mix como é embalada e congelada a fruta.
Após a colheita, se não for batido para extração da polpa perde sabor, cor e cheiro.
— a variante chamada de popular tem entre 8% e 11% de fruta misturada com água; a média, entre 11% e 14%; e a especial, acima de 14%, determinados por regulamentação federal.
• Isso faz com que um quilo de polpa renda 10 kg de mix, quando são adicionados xarope de guaraná, estabilizantes e conservantes para que ganhe textura de sorvete.

“No final de 2023, batemos R$ 2,8 milhões em vendas em único dia com 300 franquias. Além disso, existem cidades que não comportam mais lojas e estamos entrando em novos estados”, diz Sérgio Kendy, CEO da The Best Açaí, que produziu 2.400 toneladas de compostos de açaí em 2023 — em 2022, o número foi de 1.740.

É dessa forma que a fruta é comumente consumida fora da área de produção, em tigelas misturadas a banana, leite em pó e granola. Mas no Norte do País, adicionado à farinha de mandioca, ele forma o alimento básico do dia a dia.

Entre as famílias que ganham até um salário mínimo no Pará, o consumo da fruta é diário para 60%, já que fornece com o farináceo a base de carboidratos, proteínas, vitaminas e gordura diária necessária.

Além da alta concentração de vitaminas, o açaí ficou ainda mais popular quando constatada a concentração de antioxidante antocianina, que combate radicais livres e tem consumo associado à prevenção de doenças cardiovasculares e neurodegenerativas. O apelido “ouro roxo” não é à toa.